Título: Brasileiro apresenta novos hábitos à mesa
Autor: Luciana Rodrigues, Ismael Machado, Letícia Lins
Fonte: O Globo, 17/12/2004, Economia, p. 29

RIO, BELÉM e VITÓRIA DE SANTO ANTÃO (PE). Perderam espaço o arroz e o feijão, cresceu o consumo de carnes, leites e refrigerantes. O pãozinho deu vez aos biscoitos. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) constatou, na mesa dos brasileiros, um reflexo da urbanização do país, da queda nos preços de alguns alimentos e da crescente importância da publicidade nos últimos anos.

Em 1974-1975, o arroz polido respondia por 19% da ingestão de calorias nos domicílios do país. Em 2002-2003, não chegava a 15%. No caso do feijão, a queda foi de 8,13% para 5,68%. As carnes e laticínios, cujos preços se tornaram mais acessíveis, sobretudo a partir da década de 1990, saltaram de 8,96% para 13,14% e de 5,93% para 8,09%. O pão francês, com peso de 10,03% na década de 70, responde por só 8,76% agora. Nas cidades, come-se mais na rua, onde o lanche, em vez de pão, tem biscoito, cuja participação triplicou: de 1,13% para 3,47%.

O aumento no consumo de biscoitos e refrigerantes é o outro lado da crescente obesidade dos braisleiros. Nesses alimentos, diz o médico Carlos Augusto Monteiro, a publicidade agressiva, particularmente dirigida a crianças e adolescentes, é o principal motivo para o aumento do consumo.

Norte tem forte consumo de carne bovina e de peixes

O peso dos alimentos mudou no tempo e é diferente também em cada região do país e de acordo com a renda da família. No Norte, chama a atenção o elevado consumo de carne bovina (nas peças de primeira qualidade, são 8,5 quilos per capita por ano, superior aos 6,2 quilos no Sul) e de pescados: 24,7 quilos, mais de cinco vezes a média nacional, de 4,6 quilos.

Também não é para menos: a oferta de peixes na região é gigantesca. O agrônomo aposentado Perácio Gama da Silva, de 65 anos, justifica sua preferência por pescados pela variedade de opções disponíveis em Belém, no Pará, onde mora. Desde peixes pequenos, como a pratiqueira e o esquisito tamoatá, até pescadas, filhotes e pintados, famosos pelo tamanho e pelo sabor.

Pelo menos três vezes por semana, Perácio repete o mesmo ritual. Comprar peixe fresco no mercado do Ver-o-Peso em Belém, escolhendo a dedo o tipo de pescado para os pratos que ele mesmo gosta de preparar. Viúvo, Perácio mora apenas com um filho, que às vezes até enjoa da preferência do pai por peixe, em lugar da carne, como é hábito freqüente em Belém.

¿ Se pudesse comeria peixe todos os dias. Às vezes até faço isso ¿ diz.

Profundo conhecedor do assunto, Perácio trata os peixes com os condimentos que ele mesmo cultiva. No apartamento onde mora, no Centro de Belém, tem uma horta com verduras que ele utiliza no preparo das refeições.

¿ Além do sabor, acho que o peixe é um alimento muito mais saudável ¿ defende.

No Nordeste, região mais pobre do país, o consumo de alimentos mais baratos, como feijão e farinha, supera a média nacional. No caso das leguminosas, como o feijão, o consumo é de 17,9 quilos per capita anual, contra 12,9 no Brasil. Nas farinhas, féculas e massas, são 31,1 quilos, superior aos 22,77% da média nacional.

Com uma dieta restrita de açúcar, o lavrador pernambucano Inácio Bezerra, 30 anos, não come biscoitos, bolos, sorvetes e tortas. Passa o dia trabalhando na enxada, como faz desde os 8 anos de idade. Provavelmente as calorias que consome não repõem as que gasta nas quase oito horas de sol a pino, no seu roçado de hortaliças, localizado no município de Vitória de Santo Antão, a 60 quilômetros do Recife.

Inácio não tem idéia de sua altura e muito menos do seu peso. Mas enquanto trabalha sem camisa as costelas são visíveis sob a pele tostada. Ele diz que o açúcar que ele, a mulher e os três filhos consomem é basicamente o que se toma com o café preto, porque o leite também não tem todo dia. Segundo Inácio, a dieta da família se resume a feijão, arroz, farinha e alguma carne. O fubá também faz parte. As frutas se resumem à banana.