Título: Salvaguardas isolam Argentina no Mercosul
Autor: Eliane Oliveira*, Diogo de Hollanda** e Janaína Fi
Fonte: O Globo, 17/12/2004, Economia, p. 31

A Argentina ficou isolada, dentro no Mercosul, na sua tentativa de aplicar salvaguardas para restringir as importações de determinados produtos brasileiros, entre os quais calçados, têxteis e eletrodomésticos. Paraguai e Uruguai se posicionaram ontem contra esse mecanismo, que voltará a ser negociado dentro de um mês por autoridades econômicas brasileiras e argentinas.

A crítica mais enfática partiu do presidente do Uruguai, Jorge Batlle. Primeiro chefe de Estado a chegar a Belo Horizonte, Batlle enfatizou que não cabe mais, no cenário atual, pensar nesse tipo de proteção dentro do Mercosul.

¿ Salvaguardas, não. As salvaguardas foram eliminadas em Ouro Preto (na cúpula de 1994). Não é possível voltar a Ouro Preto dez anos depois para discutir salvaguardas ¿ afirmou o presidente do Uruguai, que será substituído, em março de 2005, pelo socialista Tabaré Vásquez.

Brasil e Argentina voltam a negociar em janeiro

Mais tarde, durante uma conferência de imprensa dos chanceleres do Mercosul, o ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Didier Opertti, afirmou que não gostaria de se pronunciar especificamente sobre o pleito argentino. Mas deixou claro que seu país não concorda com o uso de salvaguardas por si só.

¿ Temos de deixar isso de lado, pois um dos grandes objetivos do bloco é o acesso aos mercados ¿ afirmou Operti.

Já a chanceler paraguaia, Leila Rachid, disse estar acompanhando as negociações entre Brasil e Argentina, mas se mostrou preocupada com essa possibilidade. Isto porque, segundo ela, as salvaguardas dentro do Mercosul podem trazer insegurança aos investidores.

¿ Para nós, o que mais preocupa é a segurança jurídica e a previsibilidade econômica ¿ disse ela.

O secretário de Comércio Internacional do governo argentino, Alfredo Chiaradía ¿ que representava o chanceler Rafael Bielsa na entrevista, que alegou estar cansado após um giro internacional ¿ defendeu seu país, assegurando que a proposta argentina não consiste numa medida protecionista. Segundo ele, as salvaguardas teriam caráter provisório num projeto ainda em construção, que é o Mercosul.

¿ A Argentina é grande defensora do Mercosul e do livre mercado e nossa proposta não se limita a salvaguardas ¿ disse Chiaradía. ¿ Nosso ponto de vista é que o Mercosul pode até não avançar, mas jamais admitiríamos um retrocesso.

Na Argentina, o Ministério da Economia afirmou que o país adotará medidas unilaterais, caso o Mercosul não aceite a inclusão de salvaguardas.

¿ Se não houver acordo com o Brasil aplicaremos medidas unilaterais ¿ disse o subsecretário para Pequenas e Médias Empresas do ministério, Federico Poli.

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, não quis se pronunciar porque o tema não chegou a ser inserido na pauta da reunião do conselho de ministros. Brasileiros e argentinos voltarão a tratar do assunto em um mês, em Brasília. Entretanto, os argentinos já sabem que poderão ter as exportações de alguns produtos agrícolas limitadas em retaliação.

Para o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, o comércio com a Argentina está indo bem e o Mercosul precisa retomar sua agenda de trabalho. O ministro lembrou que os empresários brasileiros vêm pedindo que todos os acordos firmados dentro do bloco, inclusive o automotivo, sejam cumpridos. Há alguns dias, porém, o ministro da Economia argentino, Roberto Lavagna, disse que, ao contrário do que estava previsto, não haverá livre comércio de automóveis entre os dois países a partir de janeiro de 2006.

Outra derrota da Argentina ontem foi a rejeição de uma espécie de código de conduta para investimentos no Mercosul, projeto apresentado pelos argentinos há cerca de um ano. Um dos dispositivos previstos na proposta seria a distribuição equitativa dos benefícios fiscais para os quatro países, na atração de capital estrangeiro.

O presidente uruguaio aproveitou para minimizar dois recentes episódios que indicaram falta de harmonia entre Brasil e Uruguai. O primeiro deles foi sua ausência, na semana passada, na reunião de Cuzco, no Peru, quando foi criada a Comunidade Sul-Americana de Nações. O segundo, menos recente, foi o lançamento da candidatura do embaixador uruguaio Pérez del Castillo à direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), que agora concorre com o brasileiro Luiz Felipe Seixas Corrêa.

Sobre Cuzco, Jorge Batlle alegou não ter ido seguindo recomendações médicas. Quanto à OMC, o presidente do Uruguai disse que os dois países têm bons candidatos.

Sarney sugere que Brasil não retalie a Argentina

Um dos fundadores do Mercosul, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afirmou que o bloco atravessa uma crise, mas recomendou que o Brasil não retalie a Argentina.

¿ O Brasil nunca quis ser hegemônico, mas isso nos obriga, muitas vezes, a cedermos em benefício de um ideal maior, que é a integração da América Latina ¿ disse Sarney. (*) Enviada especial; (**) do Globo Online; (***) correspondente. Colaborou Lydia Medeiros, de Brasília