Título: UMA DÉCADA DE MATERNIDADE ANTECIPADA
Autor:
Fonte: O Globo, 22/12/2004, O País, p. 3

Pesquisa do Registo Civil 2003 mostra número alto de mães com menos de 20 anos

RIO E SÃO BERNARDO DO CAMPO (SP). Pesquisa Registro Civil 2003, divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que cresceu ao longo dos últimos dez anos o número de mães com menos de 20 anos de idade. O número vem aumentando desde 1993, embora não tenha sido registrado crescimento em relação a 2002. A pesquisa reúne dados obtidos pelos 8,3 mil cartórios de registro civil existentes em todo o país sobre nascimentos, óbitos, matrimônios e separações judiciais/divórcios.

De 1993 até o ano passado, a proporção de meninas adolescentes mulheres jovens menores de 20 anos de idade no índice de maternidade passou de 17,3% para 20,8%, ou seja, uma em cada cinco mães que deram à luz no ano passado estava nessa faixa etária. É um aumento de 16,8%. Em 2003, elas representavam mais de 20% do total de mães; no ano anterior, eram 21,23%.

São Paulo tem o maior número de casos de maternidade precoce

Por regiões, as maiores fatias ficam com o Norte (25,8%) e Nordeste (23,3%). O estado com maior número percentual é o Tocantins, com 28,3%; o menor é o Distrito Federal, com 16,8%. Já por números absolutos, a região metropolitana de São Paulo está em primeiro lugar no ranking: 1.409 adolescente de menos de 15 anos tiveram filhos no ano passado, e 49.370, na faixa dos 15 aos 19 anos de idade.

¿ Muitas vezes, a questão da gravidez adolescente não é colocada de maneira objetiva ¿ disse o técnico Celso Cardoso da Silva Simões. ¿ A partir dos 25 anos, cai drasticamente a fecundidade da mulher brasileira. Isso quer dizer que os grupos mais significativos são os de 15 a 19 anos e de 20 a 24 anos. A gravidez adolescente aumenta porque cai drasticamente a fecundidade a partir daquela idade, para fins demográficos. Isso não quer dizer que em determinados grupos sociais e em determinadas áreas, você não tenha aumento de gravidez adolescente. Mas isso é uma coisa muito específica para determinados grupos sociais, principalmente nos estados da região Nordeste.

Juliane Oliveira tem 16 anos e acha que a vida acabou. Ficou grávida pela primeira vez aos 12, numa das primeiras vezes que teve relação sexual com o namorado, que é nove anos mais velho. Foi mandada embora da casa da avó, que a criou, perdeu o filho depois de quatro meses de gestação e de tanto se sentir sozinha caiu em depressão. Ficou grávida novamente aos 14 e hoje tem uma filha de um ano e meio.

¿ Fiquei grávida de novo seis meses depois. Naquela época tudo o que eu mais queria era um outro filho para me fazer companhia. Hoje vejo que minha vida foi se acabando ¿ conta.

O pai da criança foi seu marido durante quatro anos. Hoje, eles estão separados.

"Casou porque quis. Teve filho porque quis. Agora agüenta"

À primeira vista, ela parece conformada. Não reclama nem quando lembra dos dois meses que teve que passar acordada porque Rayssa chorava com cólicas.

¿ Quando quero contar para alguém que estou sofrendo, as pessoas viram pra mim e dizem: ¿Ué, você casou porque quis. Teve filho porque quis. Agora agüenta¿.

Ela ganha R$140 por mês para cuidar de placas metálicas que ficam nas esquinas das avenidas mais movimentadas da cidade, com anúncios de venda de apartamentos. Juliane sabe bordar blusas e usa desse ofício sempre que precisa de mais dinheiro.

¿ Ele tem dado dinheiro se eu preciso de fraldas, comida ou remédio para a menina ¿ revela.

Ainda falta um pouco de dedicação, ela reclama. Desde, sexta-feira a filha tem tido febre. No posto de saúde, como não foi diagnosticada qualquer doença, os médicos disseram que Rayssa deve estar sofrendo com a separação já que não pára de chorar e chamar pelo pai.

¿ Ele diz que não quer olhar na minha cara, nem ouvir a minha voz. Eu não me importo, só não quero que ele faça a menina sofrer.

A verdade é que Juliane se importa, sim, e boa parte do que diz vem de um discurso que, segundo a educadora Cleide Sousa, não passa de teoria. Cleide trabalha no Projeto Meninos e Meninas de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e acompanha o caso de Juliane há mais de três anos. Ela disse que, pouco antes da entrevista, Juliane chorava por não agüentar as pressões das amigas e da família.