Título: BRASILEIROS VIVEM ILEGAIS NO SURINAME
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 22/12/2004, O País, p. 13

Comerciantes, garimpeiros e prostitutas sofrem com prisões e achaques

PARAMARIBO, Suriname. O bairro se chama Tourtonne, mas é conhecido como Belenzinho. A língua, português, holandês, inglês e taktak, o dialeto local que é uma mistura de todas elas. O point dos brasileiros, numa rua com muita poeira e casas baixas, é o Hotel Mivimost, mais conhecido como ¿mivimoça¿ por conta do movimento de prostitutas. Comerciantes, garimpeiros, cantoras¿ a maioria vindos do Pará, Maranhão e Amazonas para tentar uma vida melhor ¿ têm uma reivindicação principal: regularizar sua situação de imigrante. Sem visto e, às vezes, até sem passaporte, a maioria dos 15 mil brasileiros que vivem hoje no país está sujeita à prisão e a achaques da polícia pela situação ilegal.

Ontem, em visita oficial ao país para tratar da viagem do presidente Lula em fevereiro, o chanceler Celso Amorim obteve das autoridades locais prazo de um ano para tentar regularizar a situação dos ilegais brasileiros. Pelo tratado, durante esse período, eles poderão requerer registro para permanecer no país por mais seis meses, enquanto se discute uma solução.

¿ O acordo é uma solução provisória, continuamos a negociar. É obrigação do governo brasileiro proteger a comunidade brasileira, respeitando a soberania do país ¿ explicou Amorim, que também assinou tratado de extradição de presos brasileiros e surinameses.

Ninguém sabe quantos são os brasileiros no Suriname

Nem o governo brasileiro nem o do Suriname sabem ao certo quantos brasileiros estão presos no país. Sabe-se que muitos permanecem na cadeia por conta de sua situação ilegal. Foram presos por não ter visto ou documento e só podem sair da cadeia para regressar ao Brasil. Como não têm dinheiro para pagar a passagem ¿ e no Suriname não existe a figura da deportação ¿ permanecem presos.

Dos que escaparam da polícia de imigração surinamês, quase todos têm uma história de corrupção para contar.

¿ Outro dia, eu e um amigo fomos presos aqui nessa rua. Os policiais pediram U$100 para cada um. Depois que pagamos, nos soltaram lá no outro quarteirão ¿ conta o maranhense Francisco, também sem visto, que pede para não ser identificado pelo sobrenome.

Garimpos na ¿França¿

Ele deixou o Brasil em 2001 para trabalhar em garimpos no Suriname e na Guiana Francesa, que chamam de ¿França¿.

¿ Quando o garimpo fica ruim num lugar, vamos para outro. Mas agora está piorando em todos os lugares ¿ diz Francisco, cercado por quase uma dúzia de garimpeiros que passam dia nos bares do Belenzinho a espera do próximo trabalho.

Eles costumam retornar a Paramaribo para vender o ouro garimpado, a US$13 a grama. Lá mesmo, na rua Anamostat, os negócios são feitos na loja Brasilouro, também de brasileiros, que compra a produção. A vida no Suriname é cara e contam-se às dúzias as histórias de garimpeiros que já ganharam muito ouro e torraram tudo nos cassinos e boates da cidade.

¿ A gente vê hoje aqui garimpeiro que ganhou muito dinheiro há seis, sete anos, mas agora fica por aí pedindo um prato de comida. Gastam tudo com bebida, mulher, jogo ¿ conta a comerciante Narcisa Iglesias, nascida no Acre, que veio trabalhar com os irmãos, que hoje possuem lojas e um bar no bairro brasileiro de Paramaribo.

Mais dramática do que a situação dos garimpeiros sem trabalho é a das prostitutas brasileiras atraídas por aliciadores com promessas e que se tornam quase escravas. Quando resolvem fugir, têm seus documentos retidos e caem na ilegalidade.

¿ Tenho até vergonha. Os homens daqui acham que toda brasileira é prostituta. Mas as meninas vêm trabalhar nos cabarés, têm os passaportes confiscados e ficam por aí ¿ diz Narcisa.