Título: Pesquisa será desprezada
Autor: Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 23/12/2004, O País, p. 3

Dois dias depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contestar a pesquisa do IBGE segundo a qual a obesidade é um problema mais grave que a desnutrição entre os brasileiros adultos, o Ministério do Desenvolvimento Social informou em caráter oficial que a pesquisa não será usada como base para as políticas sociais do governo de combate à fome. O secretário nacional de Avaliação e Gestão da Informação do ministério, Rômulo Paes de Sousa, informou ontem que, por enquanto, não há como incluir a desnutrição entre os critérios para escolha das famílias que serão beneficiadas, ou para avaliar o desempenho do Bolsa Família.

Segundo Sousa, hoje o Bolsa Família usa como critério o cálculo da renda per capita das famílias mais pobres para estabelecer quem deve ou não ser beneficiado. Famílias com renda mensal menor de R$ 100 por pessoa podem ser beneficiadas pelo Bolsa Família. Embora afirme que o governo tem interesse no debate sobre a inclusão de indicadores de desnutrição para avaliar o desempenho de seus programas sociais, ele disse que, por enquanto, os critérios vão continuar os mesmos.

¿ Discutimos essas metodologias. Estamos interessados neste debate. Não fechamos a porta para dizer que não há indicador melhor que este (a renda das famílias). Mas é esta uma variável mais fácil de trabalhar ¿ explicou Sousa.

A polêmica surgiu por causa da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, divulgada na última segunda-feira. Lula achou um erro dizer que há mais obesos que desnutridos entre os brasileiros adultos, e disse que o resultado está distorcido porque as pessoas ¿têm vergonha de dizer que passam fome¿. O IBGE disse que os dados de sua pesquisa são confiáveis porque não tomaram como base declarações dos entrevistados, mas de pesagens e avaliações na casa das pessoas.

Tamanho do país impediria avaliação

O secretário do Ministério do Desenvolvimento diz que, em tese, a avaliação da desnutrição poderia ajudar na avaliação dos programas. Entretanto, diz que o governo não pode adotar um critério que não possa ser quantificado pela administração pública num país do tamanho do Brasil.

As declarações do secretário são parecidas com as do assessor especial da Presidência, José Graziano, um dos idealizadores do Fome Zero. Para Graziano, é precipitado achar que os programas do governo devem ser radicalmente mudados por informações que já eram conhecidas na época da elaboração do Fome Zero no Instituto Cidadania em 2001.

¿ O que aconteceu foi uma redescoberta do tema. Pesquisas de nutrição e saúde em 1989 já mostravam esse padrão para as mulheres de obesidade e sobrepeso. E o fenômeno abrange agora também os homens ¿ afirma Sousa.

A secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, Márcia Lopes, concorda com ele:

¿ Reconhecemos o trabalho sério do IBGE e estamos debatendo os resultados desta pesquisa. Mas apostamos, como o presidente Lula, que essa pesquisa não desqualifica os programas do governo que são necessários para a melhoria da qualidade de vida da população.

Para o secretário de Avaliação, o combate à desnutrição não se sobrepõe ao combate à pobreza. Ele afirmou que a fome ainda é um problema grave no país e citou um estudo de sua autoria feito entre 1999 e 2002, mostrando que 30 mil pessoas tiveram a desnutrição registrada como causa nos seus atestados de óbito.

¿ O fato de estar gordinho não quer dizer que esteja bem nutrido. Existe um estudo do professor Carlos Augusto Monteiro, da USP, que vai ser divulgado em janeiro, que mostra que num mesmo domicílio pode ter um sujeito com sobrepeso e outro desnutrido.