Título: Infância marcada
Autor:
Fonte: O Globo, 23/12/2004, Opinião, p. 6

O que a mãe de duas crianças, com apenas 7 e 9 anos de idade, foi capaz de fazer, colocando maconha nos seus tênis para entrar no presídio de Bangu 2, evidencia a degradação da instituição família em nossa sociedade. ¿Não prende minha mãe, não! Meu pai já está preso... Com quem eu vou ficar?¿ Este foi o apelo do menino caçula, desesperado com a possibilidade de ficar sozinho. Acuado pela situação, ele perguntou à avó: ¿Vovó, demora muito a passar 15 anos?¿ Certamente, ele e o irmão ficarão marcados para sempre por esse episódio.

A avó, mãe da diarista, surtou ao saber do fato. O suicídio foi a primeira coisa que lhe passou pela cabeça, sendo contida pelo marido. Esse é o panorama de uma família destruída pela irresponsabilidade de um homem, preso por seqüestro, e a inconseqüência de uma mulher. Na realidade, todos vítimas de uma sociedade doente, carente de educação e orientação familiar.

Essa dura realidade é conseqüência da negligência e do descaso do poder público, que não tem uma política adequada para a infância e a juventude. Muito menos consegue fomentar, manter, valorizar e recuperar os valores familiares. Não podemos mais fazer vista grossa para o fato de que a evolução, além do progresso, trouxe consigo o individualismo e, até certo ponto, a desarticulação da família, primeira e principal instituição da sociedade. E esta sempre nos foi passada na extinta disciplina da escola primária chamada de estudos sociais ou moral e cívica.

Agora, a prefeitura do Rio resolveu recolher os meninos de rua, numa operação chamada ¿Turismo Seguro¿, programa que já pelo nome me parece equivocado. Afinal, a preocupação é com os menores ou com a queda do turismo e da receita da cidade? Outra iniciativa do poder público é a intenção de punir os pais dos menores, o que me parece também engano, já que não se pode punir a pobreza, a falta de informação e a educação, ingredientes que o próprio Estado deveria dar aos cidadãos. De que adianta recolher os meninos, colocando-os em abrigos sem estrutura e assistência social adequada? Ações como essa são para inglês ver. Ou melhor, italianos, alemães e todos os turistas.

É com tristeza que temos de admitir que no Brasil, interesses políticos, partidários e financeiros estão acima de princípios e do empenho em fazer o bem. Nossos meninos estão à mercê da própria sorte e condenados a uma infância marcada pela indiferença e pela falta de humanidade do poder público. Marcos Espínola é advogado.

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