Título: Não se deve querer andar sozinho
Autor: Godofredo Pinto
Fonte: O Globo, 23/12/2004, Opinião, p. 7

O PT fluminense tem sido, desde sempre, uma seção do partido bastante problemática e débil. Isto se deve, em essência, ao fato de que, diferentemente do que ocorreu nacionalmente, desde a eleição de Leonel Brizola para governador em 1982, em nosso estado a referência política de oposição à declinante ditadura e de defensor das causas populares e nacionais foi encarnada sobretudo pelo PDT brizolista, e não tanto pelo PT.

Para o povo trabalhador, não são muito significativas as importantes diferenças de métodos de ação político-administrativa existentes entre o populismo clientelista típico do brizolismo-garotinismo e a práxis democrático-popular típica do PT. Assim, o PT/RJ viu seu espaço político natural ¿ o da defesa da democracia e da justiça social ¿ ser ocupado pela contrafação populista de Brizola e Garotinho.

Ocorre que as últimas eleições municipais imprimiram uma inflexão muito importante na correlação de forças existentes no contexto político fluminense.

O que se tem hoje é, simultaneamente, uma nítida ampliação do respaldo popular ao PT, e uma situação de grave crise nos arraiais políticos do casal Garotinho. Senão, vejamos.

O Partido dos Trabalhadores, que em 2000 ganhara apenas em Paracambi, conquistou agora oito prefeituras, entre as quais duas das mais importantes do Estado: Niterói e Nova Iguaçu. Está certo: novamente não ganhamos a capital. Mas a população administrada por governos petistas dá um salto de 41 mil pessoas, há quatro anos, para quase 2 milhões a partir de janeiro de 2005.

Pode-se querer ver de outra forma, mas isso tem um nome: aumento de densidade eleitoral. E considerável.

Deixemos de lado resultados como o de Campos. O PT não disputou o segundo turno na maior cidade do Norte Fluminense, mas deu apoio ao candidato Carlos Campista, cuja vitória representou um golpe severo nas pretensões do ex-governador Anthony Garotinho de disputar a Presidência da República daqui a dois anos. Houve apoios vitoriosos em outros municípios, mas tomemos apenas aqueles em que foram eleitos candidatos próprios e veremos como o partido evoluiu.

Em política, aprende-se muito tanto na vitória quanto na derrota. O PT do Estado do Rio ganhou muita experiência com as derrotas passadas. Das conquistas eleitorais de agora, ressalta-se uma questão relevante: é possível fazer alianças sem comprometimento dos princípios fundamentais do projeto político. Isso ficou claro na eleição, especialmente em Niterói.

As vitórias em Niterói e Nova Iguaçu foram fruto da abertura promovida pelo PT, que possibilitou alianças amplas, para além do campo restrito da esquerda ideológica. Em Niterói, construímos uma chapa majoritária PT-PPS que encabeçou uma coligação de perfil predominantemente de centro-esquerda composta com outros oito partidos (PTB, PSB, PCdoB, PV, PHS, PTdoB, Prona, PRT).

Unidos na defesa da manutenção dos avanços viabilizados por um governo sabidamente bem avaliado pela população, alcançamos o expressivo aval de 65% dos votos válidos dos niteroienses. Cabe observar que, em Niterói, o PSDB teve candidato próprio, e o PFL de Cesar Maia, após ver ruir sua coligação com o PL depois da renúncia do candidato liberal Sérgio Zveiter, aderiu de forma incondicional à nossa candidatura a partir de setembro.

O fato é que, considerando os três grandes campos políticos estabelecidos no estado (o da direita moderna, de extração lacerdista e com discurso essencialmente técnico-gerencial, liderado por Cesar Maia; o do populismo demagógico, capitaneado pelo casal Garotinho; e o democrático-popular sintonizado com o governo Lula), o que se antevê para 2006 é uma disputa na qual o PT/RJ se apresentará credenciado a ser um partícipe bastante forte, como nunca antes ocorrera. Sobretudo, se entre os petistas for consolidada a compreensão de que não se deve querer caminhar sozinho. Godofredo Pinto é prefeito eleito de Niterói.