Título: Disposição para crescer
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 23/12/2004, Economia, p. 29
Se depender da taxa de investimento da economia, o país continuará a assistir ao espetáculo do crescimento. No terceiro trimestre deste ano, 21% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas no país) foram destinados ao aumento da capacidade produtiva, conforme informou ontem o IBGE. Essa taxa representou R$ 96,1 bilhões de um total de R$ 457,7 bilhões do PIB no terceiro trimestre, um resultado que foi o maior desde o início da série histórica, em 1991, quando se observa o comportamento dos terceiros trimestres:
¿ A construção civil teve uma reação forte no período (cresceu 11,6% de julho a setembro) e tem um peso grande, de 60%, no investimento. Isso explica em parte essa taxa. Além disso, o setor de máquinas e equipamentos vem apresentando crescimento forte há algum tempo ¿ disse Rebeca Palis, economista da Coordenação de Contas Nacionais do instituto.
Ao lado do investimento, a taxa de poupança bruta da economia também apresentou números recordes. Alcançou 25,3% no período, o maior índice desde o terceiro trimestre de 1994, ano da implantação do Plano Real, quando a economia brasileira cresceu 5,9%.
¿ Esse resultado mostra um avanço da poupança pública. O investimento cresceu, mesmo com a despoupança externa (quando não há necessidade de recursos de fora para fechar as contas), já que estamos com superávit nas contas externas. Ou seja, conseguimos poupar o suficiente dentro do país para aumentar o investimento na economia e ainda ter uma sobra para amortização de dívidas com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e das empresas privadas ¿ explicou o economista Armando Castelar, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Até setembro, PIB foi de R$ 1,28 trilhão
Mesmo reconhecendo a reação forte no investimento no terceiro trimestre, Castelar afirma que ainda é cedo para dizer que esse comportamento vai perdurar nos próximos trimestres. O próprio Ipea projetava uma taxa de 19,7% no período:
¿ É um bom sinal, sem dúvida. Mas uma andorinha só não faz verão. Com essa taxa, conseguimos sustentar um crescimento da economia entre 3% e 4%.
Segundo o economista, para uma expansão do PIB de 5%, o investimento precisaria alcançar 24% do PIB. Taxa suficiente para aumentar a renda per capita em 3,9%, padrão observado entre os anos 50 e 80:
¿ Se continuarmos nesse ritmo de aumento no setor, num par de anos chegaremos a essa taxa de 5%.
Mesma opinião tem o economista-chefe do Bradesco, Octávio de Barros. Pelas contas do banco, que prefere observar o índice médio de investimento ao longo de 12 meses, o ritmo da expansão da formação bruta de capital fixo vem aumentando este ano:
¿ Facilmente atingiremos 20% no ano (até setembro, no acumulado de 2004, a taxa foi de 19,7%). Isso numa projeção conservadora.
A recuperação forte da economia este ano apareceu também nos valores do PIB, divulgados ontem pelo IBGE. Até setembro, a produção de riquezas no país foi de R$ 1,289 trilhão, muito próximo do R$ 1,556 trilhão de todo o ano de 2003. Desse total, R$ 254 bilhões foram aplicados no aumento da capacidade produtiva:
¿ O aumento de preços teve impacto na expansão da taxa de investimento, já que a inflação nos itens que compõem a cesta do setor foi o dobro da média da economia. Mesmo assim, o crescimento foi forte. É um dado consistente com a melhoria macroeconômica. Os juros médios reais caíram de 12,3% em 2003 para 8,5% este ano. As contas públicas estão controladas e o mercado de trabalho dá sinais de recuperação ¿ diz Castelar.
Capacidade de financiamento maior
Com o crescimento da economia, o país deve fechar o ano com a maior capacidade de financiamento desde 1994, ou seja, saldo positivo entre captações externas, pagamento de juros e remessa de lucros e dividendos para o resto do mundo. No terceiro trimestre, esse saldo positivo foi de R$ 15,6 bilhões contra R$ 9,6 bilhões no mesmo período de 2003. No ano, até setembro, o saldo está em R$ 30,3 bilhões contra R$ 10 bilhões do ano passado:
¿ Além de termos aumentado o consumo interno e o investimento, pagado juros e remetido lucros, conseguimos ter um saldo de R$ 30 bilhões. Dinheiro que foi usado para amortizar dívidas tanto públicas como privadas e fazer investimento ¿ afirmou Rebeca, do IBGE.
Só com o FMI, o Brasil amortizou R$ 10,1 bilhões, sem haver qualquer ingresso de recursos. E a taxa de renovação dos empréstimos das empresas privadas foi de apenas 26%.
Em 2003, esse saldo foi conseguido também com o sacrifício do consumo interno, que teve queda.