Título: CPI DE EGOS ATÉ O FIM
Autor: Rodrigo Rangel
Fonte: O Globo, 28/12/2004, O País, p. 3

Investigação sobre remessas ilegais via Banestado acaba sem votação do relatório final

Instalada sob holofotes e com a promessa de jogar luz sobre o obscuro mundo das remessas ilegais de divisas para o exterior, a CPI do Banestado foi encerrada oficialmente ontem sem aprovar seu relatório final. A decisão foi do presidente da comissão, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), no meio de uma batalha regimental com o relator, deputado José Mentor (PT-SP), que queria marcar a votação do relatório para fevereiro, após o encerramento do recesso parlamentar. Ontem à noite, Mentor apresentaria um recurso ao presidente do Senado, José Sarney, pedindo a anulação da decisão de Antero. O deputado petista anunciou que hoje estudará uma forma de recorrer também ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O senador tucano argumentava que ontem era o último dia para encerrar os trabalhos da comissão. Já Mentor, com base na Constituição e no Regimento do Senado, sustentava que a CPI não poderia decidir nada no meio do recesso parlamentar porque não constava da pauta da convocação extraordinária. A disputa ontem foi mais um capítulo do embate político que permeou os trabalhos da CPI desde sua criação, há um ano e meio.

Autores de relatórios diferentes e opostos, Mentor e Antero travavam uma verdadeira queda-de-braço para decidir quem daria a palavra final. No centro da disputa nesta reta final estava o fato de o deputado petista ter indiciado o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco e de Antero, em troca, ter feito um relatório paralelo acusando o atual presidente do BC, Henrique Meirelles, de ter enviado dinheiro ao exterior sem declarar à Receita.

Jogo de interesses prejudicou trabalho

Os dois relatórios deixaram ainda mais tenso o já conturbado ambiente da CPI, que este ano chegou a ficar parada por seis meses em decorrência de embates políticos que deixavam claro o jogo de interesses - tanto da oposição quanto da base governista - em defesa de aliados e contra adversários que constavam nas listas de nomes que enviaram dinheiro para o exterior ou que tinham alguma outra responsabilidade no esquema.

Os primeiros sinais de que nenhum relatório seria votado começaram a aparecer na semana passada. Na terça-feira, a CPI se reuniu para votar o documento preparado por Mentor. Foi quando Antero apresentou seu relatório paralelo, pedindo o indiciamento de Meirelles. O deputado petista obstruiu a sessão. O senador, então, reconvocou a comissão para ontem. Pouco antes da hora marcada, Mentor e a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), já anunciavam que tentariam derrubar a sessão. Usaram em vão o argumento de que a CPI não poderia decidir nada na convocação extraordinária. Diziam ainda que a CPI teria até 27 de fevereiro para votar o relatório.

- A sessão de hoje não pode nem deve acontecer - disse Ideli.

- Está claro quem não quer votar o relatório - completou Mentor, referindo-se ao tucano.

Troca de acusações ainda continua

Antero não arredou o pé e abriu a sessão. O debate foi intenso, com troca de farpas de parte a parte.

- A convocação da comissão para hoje foi para não votar nada. Não tem quórum - alfinetou Mentor.

- Não adianta vir com filigranas jurídicas. O combinado foi votar o relatório este ano - respondeu Antero.

Depois de quase uma hora de discussão, Mentor pediu a contagem de quórum. Havia 12 parlamentares no plenário da comissão, número suficiente para abrir a sessão, mas não para decidir. Eram 15h54m quando Antero, visivelmente nervoso, anunciou:

- Eu declaro encerrada a CPI do Banestado.

Já do lado de fora, a troca de acusações prosseguiu:

- Há uma continuidade, aqui, da blindagem do presidente do Banco Central - acusou o tucano.

- Para o relator, a CPI não acabou. Pode ser até que acabe em pizza, mas hoje não - disse Mentor.

- Esta CPI foi uma tragédia grega. O grave disso tudo é que desde o princípio se sabe que tem gente de colarinho branco envolvida nisso (em remessas ilegais), a começar por parlamentares e por gente ligada a eles. Isso assustou todo mundo - criticou o senador Pedro Simon (PMDB-RS).

Em nota, Antero Paes de Barros negou que sua decisão vá prejudicar a punição dos envolvidos em remessas ilegais. "O fato de a CPI não ter votado um relatório final não invalida e nem prejudica o trabalho de investigação e a punição dos culpados". O senador informou que encaminhará todos os relatórios para o Ministério Público, mesmo sem terem sido votados.

Como a CPI deixou oficialmente de existir ontem, os milhares de documentos sigilosos reunidos pela comissão passaram a ficar sob a guarda da presidência do Congresso. O senador Heráclito Fortes (PFL-PI) pediu que a polícia do Senado montasse guarda 24 horas na sala-cofre da CPI para evitar que arquivos sejam extraviados.

> Política contamina a investigação

Desde o começo da investigação, há um ano e meio, as denúncias de uso político da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Banestado causaram polêmica e prejudicaram a apuração do escândalo que envolve um festival de remessas irregulares de dinheiro para o exterior. O que poderia ter provocado não apenas a punição dos envolvidos mas também um conjunto de medidas para evitar a evasão ilegal acabou se transformando em palco para enfrentamento entre governistas e oposição. As divergências na condução das investigações causaram confrontos políticos entre o senador Antero Paes de Barros, do PSDB, presidente da CPI, e o deputado José Mentor, do PT, relator. A CPI recebeu, porém, dados sobre 1,6 milhão de operações financeiras suspeitas que envolveram cerca de 550 mil pessoas físicas e jurídicas. No dia 14 de dezembro passado, o relator José Mentor apresentou relatório de 742 páginas propondo o indiciamento de 89 pessoas, entre elas o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco. Foi muito criticado porque, apesar de ter tentado punir o economista por uma decisão técnica e institucional do BC, deixou de fora o ex-prefeito Paulo Maluf, que responde a diversos processos por remessas supostamente ilegais para o exterior, e o bicheiro João Arcanjo Ribeiro, chefe do crime organizado no Mato Grosso. O relatório de Mentor, porém, não foi votado pela comissão. Uma semana depois, Antero apresentou relatório paralelo pedindo o indiciamento do atual presidente do BC, Henrique Meirelles, e absolvendo Gustavo Franco. Explicitada a disputa política que marcou toda a investigação, a CPI morreu ontem sem sequer votar um texto final, que, no caso do relatório de Mentor, propunha também uma anistia fiscal para quem enviou dinheiro ilegalmente para o exterior.

"A convocação da comissão para hoje (ontem) foi para não votar nada. Não tem quórum"

JOSÉ MENTOR

"Não adianta vir com filigranas jurídicas. O combinado foi votar o relatório este ano"

ANTERO PAES DE BARROS