Título: 'PAGAREMOS O QUE TIVER DE SER PAGO EM SP'
Autor: Viviane Raymundi e Paulo Moreira
Fonte: O Globo, 29/12/2004, O País, p. 10
Marta Suplicy diz que burocracia de Brasília dificulta liberação de recursos e queixa-se do desgaste provocado pelo atraso
Os últimos dias de Marta Suplicy (PT) como prefeita de São Paulo têm sido dramáticos. Ela passa a maior parte do tempo ao telefone, em busca de recursos acertados em Brasília e também com o governador Geraldo Alckmin que não chegam aos cofres da prefeitura. O pagamento a fornecedores da prefeitura está atrasado. A prefeita diz que não esperava passar por isso, já que acreditava na sua reeleição, mas promete pagar o que deve. Ontem Marta se encontrou com o presidente Lula no Planalto e conversou com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Segundo integrantes do governo, Marta pediu o encontro para tratar da situação financeira da prefeitura, que repassará ao tucano José Serra no sábado.
MARTA SUPLICY:As pessoas acham que eu devia estar detonada!!... Estou triste, mas não deprimida. Ter conseguido 45% dos votos é um capital político muito importante. O que a gente fez vai ficar porque não foram coisas efêmeras, são referência nacional, desde os programas de assistência até o CEU, uma revolução na educação e que o novo governo não vai ampliar.
Quando a senhora percebeu que não ia ganhar a eleição?
MARTA: Não percebi (risos).
Mas uma hora percebeu que não ia dar. Quando?
MARTA: No dia da eleição, no segundo turno.
Até então a senhora achava que ia virar?
MARTA: Achava. Isso talvez seja característica minha, que sou sempre animada, ou pode ser uma coisa de candidato. Se o candidato acha que não vai ganhar, é melhor ficar em casa. Achei que tinha toda possibilidade de ganhar. Descobri que pessoas próximas, depois do primeiro turno, sabiam que íamos perder, mas não me disseram. Achei ótimo. Eu teria reagido violentamente.
A vantagem de Serra no primeiro turno foi surpresa?
MARTA: Sim. Eu imaginava que iria passar e entrar no segundo turno com vantagem, ainda que pequena. Levei um susto.
A senhora tinha pesquisas apontando para essa virada?
MARTA: Como vocês. As pesquisas falaram de meu crescimento. Além disso, na rua eu sentia que estava bem.
A senhora acha que perdeu a eleição apenas nas elites?
MARTA: A minha grande votação foi na periferia, com as pessoas mais carentes, que viveram os benefícios. Não posso colocar as elites todas contrárias, porque quem tem 30% ou 40% de votação nos bairros ricos não pode ter sido totalmente rejeitado por essa parcela.
A prefeitura está se esforçando para fechar as contas. A senhora pensou que ia enfrentar essa situação?
MARTA: Não. Como eu pensei que ia ganhar... Quando você ganha não enfrenta essa situação, porque os fornecedores estão tranqüilos que vão receber. Nós vamos pagar tudo. É um desgaste desnecessário. Recebi do Pitta (Celso Pitta, seu antecessor) R$1 bilhão de gastos que não estava no Orçamento e eu paguei. Outras prefeituras não pagaram. São Paulo honrou todos os compromissos e nós vamos honrar. O que a gente não pagar vai ter dinheiro em caixa para pagar em janeiro. Eu acho que o desgaste sofrido é penoso, porque não precisava disso. A culpa não é só dos fornecedores, eles são quem menos têm culpa. É assim: você tem recursos que estão planejados para entrar. Tenho R$70 milhões do SUS que estão planejados para entrar há um mês.
E não entram por quê?
MARTA: Burocracia de Brasília. Hoje de novo eu falei com o Palocci (Antonio Palocci, ministro da Fazenda). Você liga para um ministro e ele diz que está no Planejamento, que diz que está com o ministro da Saúde, que diz que ele não passou...
Os ministros não sabem que o pescoço da senhora está ali?
MARTA: É isso que eu acho, e é difícil. Como o recurso vem, eu penso: por que não mandam uma semana antes para não ter o desgaste? Não conseguem. Faz parte da política, mas o desgaste eu considero que não era preciso. Pagaremos o que tiver de ser pago. O que eu não pagar eu vou deixar dinheiro em caixa. Pode escrever.
Quanto ficará em caixa?
MARTA: Não tenho o cálculo fechado. Vamos deixar em caixa o necessário para pagar o que gastamos. A dívida de novembro foi paga e vamos deixar a dívida de dezembro, se não paga, com dinheiro para pagar.
A senhora vai fazer um instituto e quer preservar o que foi feito na cidade. O instituto terá essa função?
MARTA: Vai. Todos os subprefeitos estão fazendo relatórios de gestão. Os secretários estão também apresentando seus balanços.
Quantas pessoas vão participar do instituto?
MARTA: No mínimo 15. Estamos avaliando quem. Serei a presidente. Não escolhemos o nome, mas será na Rua Cincinato Braga (no Paraíso, região central), onde alugamos um andar.
Como será financiado?
MARTA: Por doações. Não teremos dificuldade nesse ponto. O instituto vai prestar serviço às prefeituras e pôr todo esse cabedal que a gente tem a serviço da reeleição do Lula.
Quem vai respaldar a senhora?
MARTA: Não sei os nomes. Só sei que temos os recursos.
Será ligado ao PT?
MARTA: De jeito nenhum. É ligado a mim e vai ser amplo.
A senhora acha que sua imagem pessoal atrapalhou?
MARTA: De jeito nenhum. A imagem pessoal, apesar de terem caprichado na desqualificação, atingiu as pessoas que já tinham alguma crítica e não iam votar em mim. Isso nos redutos mais pobres pesou muito pouco, mas foram muitos os sacos de maldade.