Título: A FÚRIA DAS TSUNAMIS
Autor:
Fonte: O Globo, 29/12/2004, O Mundo, p. 24

Um pesadelo sem fim

Mortos por ondas devastadoras chegam a 60 mil e número pode dobrar com doenças

Milhares de corpos trazidos pelo mar e retirados de escombros em aldeias e cidades de vários países elevaram ontem para 60 mil o número de mortos no maremoto que varreu zonas costeiras do sul e do sudeste da Ásia domingo passado. O impressionante número torna essas ondas gigantes as mais devastadoras já registradas na História. A apocalíptica destruição desafia os esforços de governos e organizações internacionais para ajudar milhões de desabrigados e evitar a crescente ameaça de epidemias representada por corpos já em decomposição, devido ao calor a que estão expostos.

- A enormidade do desastre é inacreditável - disse Bekele Geleta, presidente da Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho no sudeste da Ásia.

Segundo o Centro Nacional de Dados Geofísicos, nos EUA, as maiores tsunamis até então registradas foram as que causaram 36 mil mortes quando o vulcão Krakatoa entrou em erupção, em 1883, na Indonésia - o país que até agora registrou o maior número de mortos no maremoto de domingo - e as que mataram 40 mil pessoas no Mar da China em 1782.

A proporção da tragédia pode ainda aumentar muito: David Nabarro, especialista da Organização Mundial de Saúde, disse que o grande número de cadáveres poderá causar doenças contagiosas que poderão matar tantas pessoas quanto o maremoto. Segundo ele, é sério o risco de malária e dengue nos países atingidos.

A descoberta de que as ondas engoliram 11 crianças que celebravam o Natal numa praia da Tanzânia (África) aumentou para 14 o número de países castigados pelas tsunamis de mais de dez metros de altura, que rapidamente percorreram milhares de quilômetros no Oceano Índico. A grande maioria das mortes foi registrada na Ásia, onde foram atingidos Sri Lanka, Indonésia, Índia, Malásia, Maldivas, Mianmar, Bangladesh e Tailândia. Na África, o maremoto chegou a Somália, Quênia, Seicheles, Maurício e Reunião (ilha da França).

Na ilha de Sumatra, 27 mil mortos

A Indonésia contou 27 mil mortos só em Sumatra, perto do epicentro do terremoto que provocou as tsunamis. Tengku Zulkarnaen, prefeito de Meulaboh, disse que as ondas gigantes destruíram até 80% dos prédios da cidade, onde dez mil pessoas morreram. Em Banda Aceh, capital da província de Aceh, e aldeias vizinhas, nove mil morreram. Num campo de esportes, permaneciam os cadáveres de cerca de mil pessoas colhidas pelas ondas quando participavam de jogos e exercícios. O juiz de uma partida, Mahmud Azaf, disse que perdeu os três filhos.

- As ondas vieram de repente e fui salvo por Deus. Fiquei preso nos galhos de uma árvore - contou.

O Sri Lanka relatou 19 mil mortes, mas disse que o número deveria aumentar. Muitas pessoas morreram porque haviam se dirigido à praia quando souberam que as ondas estavam altas. Três quartos da costa do país - uma ilha - foram atingidos, mais de 20 mil pessoas ficaram feridas e cerca de 1,5 milhão, desabrigadas. Cerca de 130 quilômetros de ferrovias foram destruídos e mil pessoas teriam morrido num trem colhido pelas águas.

A falta de água potável agravava o risco de epidemias no Sri Lanka. Teb Chaiban, do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) alertou que no país sobreviventes enfrentam ainda a ameaça de dois milhões de minas terrestres instaladas devido a um conflito étnico.

- Minas foram levadas pela enxurrada, então não sabemos onde estão. O maior perigo virá quando as pessoas começarem a voltar para casa - afirmou.

A Índia contou 11.500 mortos, sete mil deles no arquipélago de Andaman e Nicobar, onde 30 mil pessoas ainda estavam desaparecidas. Em Chowra - uma das mais de 550 ilhas do arquipélago - o maremoto matou mil dos 1.500 habitantes.

Na Tailândia, morreram mais de 1.400 pessoas, metade delas turistas estrangeiros. Cerca de 29 mil ficaram desabrigadas. Em hotéis à beira-mar ao longo de quilômetros na praia de Khao Lak foram encontrados 770 cadáveres, muitos deles inchados, mutilados e desfigurados. Bejkhajorn Saithong revirava partes de corpos procurando a mulher.

- Meu filho está gritando pela mãe. Acho que isto é ela. Reconheci sua mão, mas não tenho certeza - disse ele, desolado.

Chailert Piyorattanachote, de uma equipe de socorro, comentou:

- Os trabalhadores estão prendendo a respiração (devido ao mau cheiro) e usando mãos, enxadas e pás para cavar destroços de prédios em Khao Lak. Não temos caixões suficientes e os que temos são pequenos para os corpos inchados dos europeus.

Gerhard Berz, pesquisador de situações de alto risco da Munich Re, a maior seguradora do mundo, estimou em mais de US$13 bilhões o custo da devastação. Já Jan Egeland, presidente do escritório da ONU para Coordenação de Assuntos Humanitários, disse:

- Não podemos saber o custo dessas sociedades pobres, com pescadores anônimos e vilas que desapareceram. Centenas de milhares de formas de sustento desapareceram.

Equipes de socorro lutaram contra a dificuldade de acesso a regiões atingidas em países como Índia, Maldivas e Indonésia. Algumas áreas são focos de rebeliões armadas, inclusive Aceh, onde o Exército indonésio pediu uma trégua a rebeldes. No Sri Lanka, os tigres tamis ofereceram ajuda. Um helicóptero militar resgatou ontem da cidade de Galle o ex-chanceler federal alemão Helmut Kohl.

www.oglobo.com.br/mundo

GALLE, Sri Lanka

Férias despedaçadas

CHILE: Cinco chilenos estão desaparecidos na Indonésia, na Tailândia e na Malásia. Uma mulher estava em lua-de-mel na ilha tailandesa de Phi Phi; o marido se salvou.

REINO UNIDO: Pelo menos 16 morreram na tragédia, nove na Tailândia e quatro no Sri Lanka. Havia cerca de dez mil turistas britânicos no sul da Ásia.

SUÍÇA: Doze turistas suíços estão desaparecidos na ilha tailandesa de Phuket.

NORUEGA: Treze noruegueses foram mortos pelo maremoto e entre 20 e 40 ficaram feridos.

PORTUGAL: A chancelaria portuguesa indicou cinco desaparecidos em Phuket e dez feridos.

AUSTRÁLIA: Seis australianos morreram na Tailândia e um no Sri Lanka. Há um número não divulgado de desaparecidos.

TAIWAN: Sete taiwaneses e 35 barcos de pesca estão desaparecidos.

FRANÇA: Pelo menos dez franceses mortos e 18 desaparecidos.

SUÉCIA: Oficialmente 10 mortos. Há 1.600 suecos desaparecidos, segundo a agência France Presse.

FILIPINAS: Segundo o governo do país, oito filipinos morreram na Tailândia.