Título: `NÃO HÁ ORGANIZAÇÃO EFICAZ QUE OS UNIFIQUE¿
Autor:
Fonte: O Globo, 01/01/2005, O País, p. 10
Professor da USP diz que divisão em grupos autônomos dificulta adaptação aos novos tempos
Ao contrário de outras religiões, não há quem fale pela umbanda e pelo candomblé e as defenda. Elas não contam com organizações empresariais e nem dispõem de canais eletrônicos de comunicação. O professor Reginaldo Prandi, da USP, acrescenta ao problema a dificuldade destas religiões, divididas em pequenos grupos autônomos, unidos em torno do pai-de-santo, de se adaptar aos novos tempos.
¿ Não há organização institucional eficaz que os unifique ou que permita uma ordenação mínima capaz de estabelecer planos e estratégias comuns na relação da religião afro-brasileira com as outras religiões e o resto da sociedade.
Terreiros: disputa afeta unidade
Prandi disse que as federações de umbanda e candomblé, que supostamente uniriam os terreiros, não funcionam, pois não há autoridade acima do pai ou da mãe-de-santo. Além disso, os terreiros competem fortemente entre si, e os laços de solidariedade entre os diferentes grupos são frágeis e circunstanciais.
¿ Só seremos fortes, em condições de enfrentar o ataque de outras religiões, quando nos organizarmos ¿ afirma Marcelo Fritz, que dirige um programa de rádio sobre umbanda e candomblé e coordena uma ONG, o Instituto de Apoio e Pesquisas às Religiões Afro, que tenta organizar os terreiros fluminenses.
A professora Magali da Silva Almeida, coordenadora do centro de estudos Pró-Afro da Uerj, disse que o declínio das religiões de origem africana pode estar também associado ao custo, uma vez que o preço das oferendas exigidas pelos pais-de-santo, muitas delas compostas por elementos da natureza, alguns raros, é cada vez mais alto.
¿ Já não se encontram determinadas ervas com tanta facilidade ¿ argumenta.
O comerciante Hélio Sillman, gerente da Mundo dos Orixás, uma das maiores redes de produtos de umbanda e candomblé do Rio, admite uma queda de 10% nas vendas dos produtos, mas evita relacioná-la ao declínio do número de adeptos.
¿ A queda foi geral, de todo o comércio ¿ afirma.
Um levantamento baseado nos dados do IBGE mostra que, do total de adeptos, 42,6% ganham até dois salários-mínimos e 70,4% estão empregados.
Patrocínio tira orixás do samba
No mundo do carnaval, o sumiço das referências às entidades africanas também é atribuído a razões comerciais. Hiram Araújo, pesquisador do carnaval e consultor da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, disse que há menos menções ao candomblé e à umbanda nos sambas-enredo por causa do patrocínio.
¿ É natural que assim seja, pois trata-se de um show muito caro e portanto precisa mesmo de patrocínio. A macumba pode retornar como tema dentro de um patrocínio ¿ disse.
Os dados dos censos mostram que é da umbanda que vem o encolhimento demográfico do segmento religioso afro-brasileiro, apesar do crescimento do candomblé. Voltados para o funcionamento de seus terreiros, os líderes, em grande parte pouco escolarizados, não têm sabido como reagir ao fenômeno. Muitos preferem negá-lo e afirmar que as pessoas recenseadas pelo IBGE preferem esconder a sua opção religiosa . Pai Jamil Rachid, da União de Tendas de Umbanda e Candomblé, de São Paulo, é um deles:
¿ Não vejo como o candomblé e a umbanda terem menos fiéis. Pelo contrário. São cultos gratuitos, abertos a qualquer classe social. Devemos ter uns 800 mil terreiros no Brasil.
Reginaldo Prandi, contudo, diz que o decréscimo dificilmente deve refletir maiores dificuldades de alguém se declarar adepto da umbanda ou do candomblé, uma vez que, como já foi enfatizado, tem sido crescente a legitimidade social da livre escolha da religião, sem os constrangimentos tradicionais.
¿ Neste caso, um decréscimo no número dos declarados deve mesmo significar uma queda demográfica real.