Título: ANÚNCIO COM PEDIDO DE PAZ PROVOCA GUERRA
Autor: Carla Rocha
Fonte: O Globo, 01/01/2005, Rio, p. 23

Firjan faz campanha contra a violência no Rio e autoridades do estado e do município reagem com críticas

Às vésperas do réveillon, a violência ganhou as páginas de jornais do Rio. A Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) publicou ontem um anúncio de três páginas com críticas à escalada da criminalidade no estado e à condução da política de segurança do governo Rosinha Matheus. O anúncio provocou indignação no governo estadual e mereceu a condenação do prefeito Cesar Maia.

O governador em exercício, Luiz Paulo Conde, cobrou coerência da entidade:

- A Firjan faz isso com o dinheiro dos impostos pagos pela população, através do sistema Sesi/Senac. Tem um monte de come-e-dorme lá com salários altíssimos. O dinheiro seria mais bem empregado se fosse para ajudar pessoas, nem que fosse na Ásia. Ou para reabrir a Maternidade Fernando Magalhães - disse.

Para Cesar Maia, as críticas da Firjan perderam legitimidade porque seu presidente, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, lançou-se candidato a governador.

- Com isso, infelizmente, ganha perfil politico. Gastou-se um dinheirão da entidade para uma mensagem que nada traz de novo, a não ser a desconfiança de que se encontra associada à candidatura do presidente da Firjan.

'A nossa parte a gente está fazendo', diz secretário

O mesmo tom indignado foi usado pelo secretário estadual de Turismo, Sérgio Ricardo de Almeida, que considerou a publicação inoportuna:

- A Firjan está visivelmente fazendo política eleitoral. Não era isso que eu esperava da entidade, num final de ano em que há milhões de pessoas no Rio, um ano em que o governo conseguiu trazer uma refinaria para o Norte Fluminense, duas siderurgias e promover um crescimento visível da indústria naval e do turismo.

Já o secretário de Segurança Pública, Marcelo Itagiba, preferiu a ironia:

- Não li o anúncio porque estou numa inspeção no Vidigal e na Rocinha e ainda vou fazer um sobrevôo pela cidade. A nossa parte a gente está fazendo. Se a Firjan quiser colaborar em vez de gastar dinheiro com um anúncio, será bem-vinda - afirmou Itagiba.

Ele acrescentou que em 2004 a segurança teve um dos maiores orçamentos dos últimos anos: foram gastos cerca de R$3,5 bilhões. Itagiba afirmou que a Firjan não encaminhou até hoje qualquer proposta destinada a aumentar a segurança da população do estado.

A reação de integrantes do governo deixou perplexo Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira.

- Estamos expressando, no fundo, uma verdade. O curioso é que eles (representantes do governo) são em última análise os responsáveis, porque representam o poder público. Eu acho que quando a pessoa está indignada é porque está com um problema e não é capaz de resolver - criticou o presidente da Firjan. - Não podemos colocar o lixo embaixo do tapete. Nós não podemos parar um minuto sequer de pensar no problema. Estão morrendo pessoas. Nós estamos absolutamente abalados com a desgraça que aconteceu na Ásia, mas também temos um desastre na nossa esquina.

A análise do sociólogo Ignácio Cano, pesquisador da Uerj, foi mais comedida. Ele considerou o anúncio um sinal de alerta positivo, porque o Rio tem tradição de só discutir a violência de forma cíclica, quando acontece uma guerra do tráfico ou ocorrem casos como o do seqüestro do ônibus 174. Mas ponderou que a Firjan deve apoiar mais programas de inserção social para jovens carentes, que considera atualmente a prioridade do país:

- A elite, que normalmente ficava de costas para a violência que atingia a parcela mais pobre da população, agora acordou. Acho melhor do que um anúncio simplesmente desejando Feliz Natal - observou.

O anúncio da Firjan, sob o título "O grito do Rio", com a ilustração de uma flecha no nome do estado, tem números de uma pesquisa mostrando que um em cada quatro dos 2.665 trabalhadores entrevistados pela entidade foi atingido pela violência. A maioria dos casos (56%) foi de assalto com arma. Em segundo lugar furto (28,2%), seguido de outros tipos de violência (16,1%) e seqüestro (1,5%). Quase metade dos casos ocorreu no trajeto de ida ou volta para casa ou no próprio local de trabalho. Por último, 31,4% dos trabalhadores citaram episódios de violência que atingiram parentes. A pesquisa conclui que, sendo assim, 43,4% dos trabalhadores sofreram algum tipo de violência diretamente e/ou relataram algum caso na família.

Cano diz que os números parecem refletir a realidade:

- Os números são mais ou menos condizentes com o que outras pesquisas apuraram.

Relações estremecidas

A relação entre a Firjan e o governo do estado ficou estremecida em setembro de 2004, durante um seminário sobre o desenvolvimento econômico do Rio. Um dos convidados, o presidente da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, criticou a ausência da governadora Rosinha Matheus, que, segundo ele, chegara a confirmar presença no evento.

Em seu pronunciamento, ele disse que a ausência mostrava "talvez que o interesse do desenvolvimento do nosso estado não esteja muito profundo em sua mente". Ao saber da declaração, Rosinha reagiu dizendo que o governo não foi convidado e que "participaria de uma abertura, sem direito a um secretário na mesa, a uma voz".

Em outubro, a governadora não foi à posse do presidente da Firjan, que se elegeu pela quarta vez. Ele, por sua vez, dedicou boa parte de seu discurso no evento a críticas à política de segurança pública. Ele ainda leu para a platéia de empresários dados da violência que mostravam, entre outras coisas, que em 2003 mais de seis mil pessoas foram assassinadas no estado.

A resposta de Rosinha foi ríspida:

- Será que ele tem uma proposta melhor do que o que nós estamos fazendo? Ou ele quer ser meu secretário de Segurança? Pode escolher.

Anthony Garotinho, à época secretário de Segurança, negou que a violência estivesse fora de controle. No mês seguinte, numa demonstração clara de que as discussões públicas a afastara da Firjan, Rosinha foi à posse do presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf.