Título: Em benefício dos pobres
Autor: Jurandir Fernando
Fonte: O Globo, 30/12/2004, Opinião, p. 6

Em benefício dos pobres

Oincentivo ao uso de trens e metrôs no transporte público é uma espécie de marca dos países que mais se desenvolveram no mundo. Isso não ocorreu por acaso. Em relação a outros meios, como ônibus, automóveis e caminhões, o transporte sobre trilhos tem maior eficiência energética, menor impacto ambiental e, principalmente, custo per capita mais baixo. São vantagens que elevaram a participação do setor para 40% na matriz de transporte de cargas em países como Estados Unidos e Canadá e a patamares bastante significativos no transporte de passageiros em países europeus.

O Brasil não chega nem perto disso. Nos últimos seis anos, investimentos públicos e privados retiraram o sistema da estagnação em que se encontrava há mais de uma década, mas ainda estamos longe da necessária massificação do uso dos trens e metrôs, e uma das razões é o alto preço da energia elétrica cobrado das operadoras.

A regulamentação do setor elétrico distingue o fornecimento de energia para serviços públicos essenciais. As empresas de água, esgoto e saneamento gozam de desconto nas tarifas que pagam às distribuidoras, como incentivo a novos investimentos e ao barateamento do custo para o consumidor final. O benefício, porém, não atinge as companhias que compram energia para tração elétrica, que incluem metrôs e trens. A tarifa chegou a ter desconto de 75%, mas essa política terminou em 1987, quando o setor já estava em abandono por absoluta incapacidade de investimentos do setor público, até então responsável pela operação dos transportes de massa. Sem o desconto, os metrôs e trens ainda têm os custos agravados pelo mecanismo que cobra mais caro pela utilização no horário de ponta do sistema elétrico. Pode-se imaginar o que isso significa no aumento do consumo de energia justamente na hora do rush, quando os trabalhadores estão voltando para casa. Hoje, o segundo maior insumo das operadoras de metrôs e trens é justamente a conta de energia elétrica, o que inviabiliza a cobrança de tarifas mais baratas de quem os utiliza.

Estudo da Associação Nacional de Transportes Públicos entregue ao Ministério das Cidades e encaminhado ao Ministério de Minas e Energia, em agosto de 2003, reivindica a volta do desconto como forma de baratear o transporte sobre trilhos. Proposta mais do que justa, até porque não se fala de favorecimento direto ao setor: as operadoras de metrôs e trens já se comprometeram a dar um desconto nas passagens de modo a eliminar o impacto inflacionário. Já há até um estudo da Fundação Getúlio Vargas que comprova o impacto nulo no índice inflacionário, quando se considera o desconto de 60% na energia de tração, semelhante ao de 20 anos atrás.

O governo deve ter um compromisso claro com o crescimento sustentado da economia, aquele cujos resultados alcancem também as camadas mais pobres da população. São exatamente esses os brasileiros mais beneficiados quando se oferece um transporte público de qualidade. A redução do custo permitirá que as operadoras de trens e metrôs façam mais investimentos, melhorem o serviço e mantenham nos trilhos do desenvolvimento o mais democrático meio de transporte público.

Energia mais barata é a chave para elevar a qualidade