Título: ORÇAMENTO É APROVADO MAS NÃO DEVERÁ SER CUMPRIDO À RISCA
Autor: Regina Alvarez e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 30/12/2004, O País, p. 10

Parlamentares aumentam previsão de receita em R$16 bi e destinam R$21 bi para investimentos em infra-estrutura, mas governo deve fazer contingenciamento já em janeiro

BRASÍLIA. Depois de muita negociação e discussões que se estenderam até as 3h da madrugada de ontem na Comissão Mista, o Congresso aprovou o Orçamento de 2005, prevendo recursos recordes de R$21 bilhões para investimentos, a maior parte na área de infra-estrutura. Deputados e senadores aumentaram esses investimentos em quase R$10 bilhões em relação à proposta original do governo, mas mantiveram nos mesmos níveis os orçamentos de programas da área social, como o Bolsa Família e a reforma agrária. Como o Congresso aumentou a previsão de receitas em R$16,5 bilhões para cobrir as novas despesas, o governo já mandou seu recado: parte deste Orçamento será contingenciado (ou represado) já no início do ano.

Relator eleva previsão de receita para R$16,5 bilhões

Para contemplar as emendas dos parlamentares e as reivindicações dos governadores, e ainda garantir o aumento real para o salário-mínimo e a correção da tabela do Imposto de Renda, o relator-geral, Romero Jucá (PMDB-RR), precisou elevar a previsão de receita em R$16,5 bilhões. Foi o próprio presidente da Comissão, o deputado petista Paulo Bernardo (PT-PR), que sinalizou sobre o contingenciamento.

- Não houve um debate e uma concordância (do governo) sobre a receita e a despesa. Não posso falar pelo governo, mas se fosse apostar apostaria que ele não terá outra saída. Não sei se o contingenciamento vai ser recorde, mas a Lei de Responsabilidade Fiscal é muito rígida - disse Bernardo após a aprovação do Orçamento na Comissão Mista.

O deputado fez críticas à forma como o Orçamento foi discutido e aprovado pelo Congresso, afirmando que o processo foi muito duro e que isso permite que a pressão sobre o relator seja multiplicada:

- O relator teve que aumentar a receita além da expectativa do governo. Haverá um debate sobre isso no início do ano. A LRF determina que, se o governo não estiver absolutamente convicto que vai realizar a receita, pode contingenciar (a despesa). É uma coisa absolutamente normal.

Já o relator Romero Jucá defendeu-se dizendo que apenas usou as previsões de crescimento da economia revisadas pelo próprio governo. Para acalmar os ânimos das bancadas dos estados, que ameaçavam obstruir a votação do Orçamento se não tivessem as suas emendas contempladas, o relator destinou mais R$230 milhões para as emendas coletivas.

- Foi a sobra da sobra - disse Jucá.

Discussão na Comissão Mista durou mais de nove horas

O relator passou mais de sete horas reunido com as bancadas dos estados na terça-feira para acomodar as demandas regionais no Orçamento.

- Estamos entregando ao país o Orçamento antes do fim do ano. Missão cumprida - comemorou ele ontem, quando o Orçamento foi finalmente aprovado na Comissão Mista, depois de uma discussão que entrou pela madrugada e foi retomada de manhã, consumindo mais de nove horas de debates.

O acordo acabou garantindo uma votação mais rápida em plenário. O relatório de Jucá foi aprovado em plenário às 18h45m, em votação simbólica, com cerca de 40 parlamentares presentes, depois de três horas de discussões.

O acerto com as bancadas dos estados e algumas negociações paralelas permitiram um acordo para a votação do relatório de Juca praticamente sem alterações já na Comissão Mista. O PFL e o PSDB votaram contra o relatório, mas como forma de marcar posição. Em plenário, apenas os tucanos mantiveram essa posição.

Lula comemora efusivamente a aprovação do Orçamento

Pelo acordo, de um total de 1.474 destaques, menos de duas dezenas foram levados à votação e apenas três foram aprovados. O relator deu parecer contrário a todos os destaques que representavam aumento de despesas.

Os dois mais importantes destaques aprovados foram do deputado Alberto Goldman (PSDB-SP). Eles alteram os limites de remanejamento de verbas do Orçamento sem autorização do Congresso. O governo queria elevar esse limite dos 10% atuais para 20%. O relator propôs 15%, mas esse percentual acabou sendo reduzido para 12% com o destaque de Goldman. Para os projetos da área de infra-estrutura negociados com o Fundo Monetário Internacional (FMI) esse percentual ficou em 30%.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou efusivamente a aprovação do Orçamento. Lula recebeu em seu gabinete o ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política) e parlamentares governistas e, em frente aos fotógrafos, pediu que todos dessem as mãos e levantassem os braços para festejar a vitória do Palácio do Planalto no Congresso, como fazem os jogadores de futebol.

- Juntem aqui. Vamos comemorar. Isso é motivo de alegria, vamos todos sorrir - afirmou Lula para um grupo de parlamentares visivelmente constrangidos.