Título: Guerra anunciada
Autor: Ilmar Franco
Fonte: O Globo, 31/12/2004, Panorama Político, p. 2

A precária unidade dos partidos de esquerda, que apóiam o governo Lula, passará por duro teste no próximo ano. Um debate que foi adiado nos últimos dois anos será enfrentado: o da autonomia do Banco Central. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, vai propor ao Congresso a emenda da autonomia, antecipa o documento "Reformas microeconômicas e crescimento de longo prazo".

A confusão será grande. O governo vai se dividir e nova dissidência poderá se formar no PT. Mas Palocci tem dito a seus assessores que vai lutar para criar as condições políticas para aprovar a autonomia.

Durante o governo Fernando Henrique, o PT e a esquerda fizeram o discurso de que a autonomia do Banco Central era uma imposição do FMI e do neoliberalismo. Uma amostra das dificuldades que o governo terá de superar foi dada na votação da medida provisória que deu ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, status de ministro, garantindo-lhe foro privilegiado para responder a ações judiciais: 28 petistas e 33 aliados votaram contra. Mais uma vez, se quiser aprovar a emenda à Constituição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a exemplo do que ocorreu na reforma da Previdência, terá de se valer dos votos da oposição.

- O Banco Central já tem autonomia. Tornar isto institucional elimina incertezas. O Banco Central não vai determinar a política econômica nem a meta de inflação, apenas ganhar autonomia operacional para usar os instrumentos de política monetária para cumprir as metas decididas pelo governo - diz o deputado Paulo Bernardo (PT-PR).

Na área econômica se diz que a aprovação da autonomia reduzirá as taxas de juros e o risco Brasil, além de aumentar a credibilidade internacional do país. O Banco Central terá maior autoridade e suas decisões não ficarão sujeitas a dúvidas, como ocorre hoje, por exemplo, quando criticadas pelo vice-presidente José Alencar ou pelo chefe da Casa Civil, José Dirceu.

Esta avaliação não é compartilhada pelos que satanizam a proposta.

- Com a autonomia, a política econômica ficará refém do setor financeiro. Será um risco à estabilidade ceder à ditadura financeira. E vai dividir o PT, a base aliada, a área acadêmica e os militantes - critica o deputado Paulo Rubem (PT-PE).

Este debate promete muitas e vastas emoções.

Frase do ministro Aldo Rebelo, que sobreviveu à pressão de setores do PT por sua demissão: "A política é como a guerra, uma sucessão de erros. Ganha quem errar menos".

Solidariedade, burocracia e calamidades

O governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PTB), cobrou uma promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na solenidade de sanção da lei da Parceria Público-Privada. Pediu a liberação de R$7 milhões para a reconstrução de casas e pontes, destruídos em junho pelo rompimento da barragem de Camará. A abordagem foi feita com um senso de humor mordaz.

- Presidente! A ajuda do Brasil às vítimas do terremoto no sul da Ásia vai chegar mais rápido do que as verbas para a reconstrução de Alagoa Grande - disse Cássio Cunha Lima.

Ocorre que a medida provisória destinando os recursos foi editada em julho, mas até agora nenhum centavo foi liberado. Ontem rumou para a Ásia, num avião da Força Aérea Brasileira, um carregamento de donativos para a população flagelada pelo maremoto. Já as vítimas do alagamento em solo nacional aguardam pela burocracia do Departamento de Defesa Civil do Ministério da Integração para serem atendidas. O governador diz que o ministério examina os projetos como se não fossem de urgência.

Apoio garantido

O líder do PMDB, José Borba (PR), assegurou que a bancada de seu partido apoiará o candidato do PT à presidência da Câmara. Disse a Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) que seu partido prega o respeito à regra pela qual o maior partido elege o presidente. Mas que só vai formalizar este apoio depois que realizar uma reunião da bancada. Borba, que é governista, não quer atritos com a ala que é da oposição.

Mudanças

Depois de receber carta branca do presidente Lula, o ministro Roberto Rodrigues decidiu fazer mudanças no Ministério da Agricultura. O secretário-executivo Luiz Carlos Guedes Pinto está fazendo uma reavaliação do trabalho da pasta. A dança das cadeiras já começou. Gabriel Alves Maciel é o novo secretário de Defesa Agropecuária e Márcio Portocarrero, o de Assistência Rural. Nos planos, mudanças na Embrapa.

PÉ NA ESTRADA: Para vencer resistências à sua candidatura à presidência da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) vai visitar os estados em janeiro para conhecer e se apresentar aos deputados. No roteiro já estão previstas viagens à Bahia, a Minas Gerais e ao Rio de Janeiro.

PÉ NO CHÃO: O deputado Átila Lins (PPS-AM) adverte que os líderes contam pouco na votação para comandar a Câmara e que o candidato tem que buscar o diálogo com cada parlamentar. Diz que respeita as qualidades intelectuais e morais de Greenhalgh, mas alerta que o petista precisa construir laços com os parlamentares aliados.