Título: A onda boa
Autor: Miriam Leitão
Fonte: O Globo, 30/12/2004, Economia, p. 22

A sala virtual ligava por satélite mil alunos em vinte cidades e o assunto que eu havia escolhido para falar com eles era a importância da educação no projeto pessoal e no projeto do país. Eram todos adultos que tinham voltado à escola para completar o ensino fundamental por exigência do mercado de trabalho. Ao fim da palestra, as perguntas eram quase todas sobre a qualidade da educação pública. Eram as perguntas certas.

O Brasil entrou há alguns anos na boa onda de valorização da educação. Na imprensa, o assunto deixou de ser um tema esporádico para estar diariamente na pauta. Foi por isso que, ao preparar este ano um livro sobre como os jornalistas vêem o problema da educação no Brasil, a Unesco convidou tanto os que se dedicam ao tema, quanto jornalistas de política e economia. Hoje todos sabem que a qualidade da nossa democracia - e a força da economia - dependem do que pudermos avançar na educação.

Os indicadores melhoraram de forma consistente nos últimos tempos. As empresas passaram a ver o gasto na educação dos seus funcionários como investimento e existem até as que investem no estudo dos trabalhadores terceirizados.

Essa onda começou no governo passado, liderada pelo então ministro Paulo Renato. Goste o atual governo ou não da constatação de que a década passada foi a da virada, ela está em todas as estatísticas. Olhem só alguns avanços entre 92 e 2002: a porcentagem de crianças entre 10 e 14 anos com mais de 2 anos de atraso caiu de 37,3% para 16,1%; o analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais caiu de 17,2% para 11,9% e entre crianças de 10 a 14 anos, de 12,4% para 3,8%. Entre 94 e 2001, o número de matrículas no ensino médio aumentou em 3,5 milhões. Isso sem falar no supletivo de ensino médio, que teve um aumento de 188%. Hoje, na companhia daqueles mil alunos, existem 1,5 milhão de adultos de volta às salas da 1ª à 4 ªsérie, sendo 770 mil com mais de 30 anos. Da 5ª à 8ª, existem atualmente, de adultos retornados aos bancos escolares, 1,7 milhão. Ao todo, um Uruguai de adultos que voltaram a estudar agora, e isso apenas no fundamental.

Mas o que preocupava aquele grupo de trabalhadores de vários estados do país era a qualidade da educação. E eles estavam certos. Há quem diga na classe média brasileira que boa era a escola pública de 40 anos atrás. Era boa e excludente. Nos anos 50, o Brasil tinha 50% de analfabetos e a boa escola pública barrava os pobres. O desafio da universalização do fundamental só recentemente foi encarado. Nem está atingido e os brasileiros já sabem que a qualidade do ensino é o segundo grande obstáculo a superar. Precisamos não apenas melhorar as estatísticas, mas a capacidade de aprendizado.

Há tanto a fazer na educação que o ideal seria que cada governo continuasse o trabalho do anterior, sem entrar em disputas políticas estéreis. A leitura do material que o ministro Tarso Genro enviou a mim para rebater a idéia de que o governo Lula tem errado na educação não me convenceu do contrário. Nestes dois primeiros anos, o governo tornou opaco e piorou o sistema de avaliação do ensino médio e universitário, mudou de prioridades e de ministros. O que o passado recente ensina é que o trabalho continuado aumenta as chances do sucesso.

No texto apresentado no Fórum Nacional e que acaba de sair em livro, o especialista em educação Claudio de Moura Castro diz o seguinte: "O governo do PT levou ao MEC uma equipe com menos experiência de governo e com formação técnica mais precária. Muitas indicações políticas se fizeram às custas de alijar pessoas com competências técnicas e experiência de fazer andar a máquina burocrática. Para ilustrar, o ano de 2003 foi encerrado com uma execução de apenas 80% do orçamento."

Segundo Moura Castro, é um erro adicionar um ano a mais no ensino médio. Fazer isso é "exumar o que nunca funcionou em praticamente nenhum lugar do mundo". Ele também acha que está havendo um "retrocesso elitista no ensino médio", teme que transformação do Fundef em Fundeb possa ser a forma de financiar o médio às expensas do fundamental. Acredita que é preciso focalizar os brasileiros que já aprenderam a ler e a escrever, mas não se educaram e nem sabem usar a leitura e a escrita para se educarem. O especialista critica o "esvaziamento das equipes do Inep" e elogia a idéia de comprar vagas em instituições privadas de ensino superior, destacando que é mais barato do que expandir o ensino público. É bom lembrar, no entanto, que o governo tem falado em abrir novas universidades públicas sem dizer de onde vai tirar o dinheiro.

No debate que a Unesco promoveu, com a participação de autoridades e jornalistas, uma pessoa da platéia perguntou a razão de se importar de Cuba um sistema de alfabetização e o representante do MEC contra-atacou acusando a pessoa de preconceito ideológico. Na verdade, essa dúvida é procedente, afinal , no país de Paulo Freire é difícil concordar que importar um modelo de alfabetização seja a nossa prioridade. O governo deveria parar de ter uma idéia por mês nesta área e fazer o básico: definir prioridades e persistir. Não podemos perder a onda boa dos anos 90.