Título: Marés de corpos
Autor:
Fonte: O Globo, 30/12/2004, O Mundo, p. 25
Mortos já são 80 mil e podem chegar a cem mil; 5 milhões estão sem água e comida
Estimativas da Organização Mundial de Saúde indicam que cerca de cinco milhões de pessoas foram deixadas sem água ou comida e acesso a saneamento básico após o mais devastador maremoto da História atingir a zona costeira de 14 países no Oceano Índico domingo. O número de vítimas, que não pára de aumentar à medida que o mar vai devolvendo quantidades enormes de corpos, já chega a 80 mil. A catástrofe, no entanto, pode ser bem maior, pois ainda há dezenas de milhares de desaparecidos e algumas áreas mais remotas de Sumatra e das ilhas Andaman e Nicobar ainda não foram alcançadas pelas equipes de socorro. A Cruz Vermelha estima que os mortos podem chegar a cem mil.
Correndo contra o tempo e as limitações logísticas impostas pela devastação de proporções dantescas, as autoridades dos países mais atingidos - Indonésia, Sri Lanka, Tailândia e Índia - se viam ontem sobrepujadas pela enorme tarefa de recolher e identificar milhares de corpos espalhados por praias, ruas e escombros e levar assistência aos sobreviventes. Na Tailândia, legistas na praia de Khao Lak estão colhendo amostras de DNA das vítimas para possibilitar sua identificação. Equipes de legistas de Austrália, Alemanha, Holanda e Suíça devem começar hoje a trabalhar na região.
As agências da ONU se apressavam ontem em finalizar a lista de necessidades imediatas de cada país para pôr em andamento a maior operação de assistência humanitária da História. Rapidez é essencial para evitar mais mortandade em massa por epidemias e fome.
- Estamos enfrentando um desastre de proporções sem precedentes na natureza - disse o chefe regional da Federação Internacional de Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, Simon Missiri.
Na Índia, 500 foram mortos numa missa
Na Indonésia, atingida duramente tanto pelo terremoto - cujo epicentro foi ao largo de Sumatra - quanto pelas ondas gigantes, o número oficial de mortos subiu para 45 mil e pode chegar a 80 mil, segundo o escritório local da ONU de Coordenação para Assuntos Humanitários. Navios da Marinha foram despachados para cidades e vilarejos da costa isolados do resto do país após a tragédia. Na ilha de Malabu, que tinha 60 mil habitantes antes do maremoto, o governador da província de Sumatra do Norte declarou que 90% dos prédios foram destruídos e somente se viam "sinais de vida". Na província de Aceh, a assistência aos sobreviventes nas áreas mais atingidas é dificultada porque muitos médicos e enfermeiros também morreram na tragédia.
- A escala deste desastre é inacreditável - assombrou-se o ministro de Informação indonésio, Sofyan Djalil. - No domingo o sistema simplesmente ruiu. O governo local foi paralisado porque eles próprios foram vítimas.
Na Índia, foram recuperados os corpos de mais de 500 pessoas que morreram na Basílica de Nossa Senhora de Vailankanni, apanhadas pelas tsunamis durante a missa. Maior santuário católico do país, o templo fica perto da localidade de Thanjavu, varrida do mapa pelo maremoto.
- Quem não morreu no impacto (das ondas) foi arrastado e levado pela corrente - testemunhou o padre Xavier, responsável pela basílica.
O mesmo destino trágico teve a cidade de Hambantota, no sul do Sri Lanka, porta de entrada para o Parque Nacional de Yala. Situada numa estreita faixa de terra, a cidade era sede do mercado semanal que justamente aos domingos atraía comerciantes e agricultores da região. No último domingo, Hambantota simplesmente deixou de existir e a cada maré, centenas de corpos dão na praia: até agora, 2.500 já foram enterrados. Já em Marata, de 30 a 40 ocidentais que surfavam desapareceram no mar.
Por sua vez, o Programa Mundial de Alimentos da ONU estima que de 30 mil a 50 mil pessoas necessitem de ajuda imediata na Somália, na costa oriental da África, onde as ondas gigantes chegaram horas após o terremoto em Sumatra, destruindo por completo a localidade de Hafun e causando cerca de 100 mortes.