Título: Demora fatal
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Fonte: O Globo, 31/12/2004, Economia, p. 27

Ajuda humanitária chega, mas distribuição ainda é precária. Doenças começam a surgir

Quatro dias após o mais devastador maremoto da História varrer o litoral de 14 países no Oceano Índico, deixando um rastro de morte que já ultrapassa 125 mil vítimas, a ajuda humanitária internacional ainda não chegou com força total aos 5 milhões de desabrigados e necessitados atingidos pela catástrofe. Embora aviões com centenas de toneladas de alimentos e remédios já tenham começado a aterrissar nos aeroportos dos países afetados, apenas uma pequena parte da assistência internacional foi encaminhada às áreas de desastre.

A ONU estimou ontem que tardaria ainda de dois a três dias para que o esquema de ajuda fosse posto em funcionamento de forma eficaz. A rapidez é essencial, pois os médicos de alguns acampamentos de refugiados já começam a relatar casos de doença.

- Estamos fazendo muito pouco no momento - admitiu o coordenador de Ajuda Emergencial da ONU, Jan Egeland. - Levará talvez de 48 a 72 horas para sermos capazes de responder às dezenas de milhares de pessoas que precisam ser ajudadas hoje. Acredito que a frustração vá aumentar nos próximos dias.

'É como uma explosão nuclear'

Equipes das agências internacionais de assistência humanitária que chegam às áreas do desastre estimam que a necessidade de ajuda é ainda maior do que a inicialmente calculada, tamanho o grau de devastação encontrado em alguns lugares. Muitos desabrigados não comem desde o domingo e falta água potável em várias áreas, aumentando o risco de epidemias.

À medida que as áreas mais remotas da ilha indonésia de Sumatra - devastada antes pelo terremoto que originou as tsunamis - e dos arquipélagos indianos de Andaman e Nicobar vão sendo alcançadas, a verdadeira extensão da tragédia vai se descortinando. O conservacionista britânico Mike Griffiths sobrevoou o litoral da província de Aceh, na ponta norte da Sumatra, e descreveu um cenário de destruição total. Na faixa costeira de 100 quilômetros entre as cidades de Meulaboh, onde pelo menos 10 mil pessoas morreram, e Calang, não sobrou uma única aldeia. A própria Calang, com 13 mil habitantes, foi varrida do mapa.

- É como se uma explosão nuclear tivesse aplanado a área - contou ele. - Calang foi vaporizada. Não é possível nem mesmo saber que havia uma cidade ali a menos que você a tivesse sobrevoado antes.

O número de mortos na Indonésia já chega a 80 mil, a maior parte em Aceh, cuja capital, Banda Aceh, fica a apenas 250 quilômetros do epicentro do terremoto que causou as tsunamis. Ontem, dois tremores de terra de madrugada aterrorizaram os moradores. A província conta apenas com um hospital, funcionando sem eletricidade nem combustível, para um número de feridos que passa de meio milhão. O acesso à região continua difícil porque várias estradas estão intransitáveis. Os primeiros caminhões com ajuda conseguiram chegar a Aceh, mas os suprimentos eram insuficientes. Em alguns lugares, as caixas de alimentos são jogadas dos aviões.

No Sri Lanka, cujo número de vítimas já está em 25 mil, a preocupação maior é com remédios para os refugiados desabrigados.

- As pessoas nos campos estão ficando doentes. Se não as tratarmos agora, muitas outras vão se infectar com qualquer doença que elas tiverem - alertou M. Rodrigo, secretário do distrito de Trincomalee.

Segundo as autoridades, 1.800 pessoas morreram num trem que ia para a cidade de Galle. Um sobrevivente contou à rede de TV CNN que o trem foi apanhado "por uma parede de água". No norte do país, onde o governo trava uma guerra contra o movimento separatista tamil, a tarefa de recuperar corpos torna-se mais difícil porque muitas minas terrestres foram desenterradas pela água.

Na Índia e na Tailândia, falsos alarmes de tsunami dados pelas autoridades causaram pânico em diversas áreas costeiras. Na cidade indiana de Madras, bairros ficaram vazios.