Título: A mordomia hipercalórica da Câmara
Autor: ELIO GASPARI
Fonte: O Globo, 05/01/2005, Opinião, p. 7

Aprimeira coisa que se pode pedir aos candidatos a presidente da Câmara é o compromisso de devolução à Viúva da casa oficial onde vive hoje o deputado João Paulo Cunha. Devolvida a casa, caducará a mordomia mal-assombrada que ela hospeda. Ela provoca surtos prorrogacionistas nos inquilinos que não gostam de pagar carrinho de feira, muito menos aluguel.

Em julho passado a repórter Lydia Medeiros descreveu a estrutura hoteleira da ¿casa do João¿, como ela é conhecida. O aparelho digestivo da mansão legislativa habilitava-a a receber trinta convidados para um café da manhã onde se esperavam quinze. Três cozinheiras, duas auxiliares e uma nutricionista garantiam sucos frescos (do gosto do doutor João Paulo) e operavam uma pequena panificadora, louvada pela qualidade de seus pães de queijo.

Nessa casa o líder do PL, Valdemar Costa Neto (SP), soltou um precioso grito primal da república petista:

¿Nossa, não agüento mais comer!¿

Pudera. Em junho, ¿chez¿ Cunha comprou 40 quilos de filé, 25 quilos de peito de frango e 20 de peixes, num total de 120 mil kilocalorias. De acordo com as tabelas alimentares da patuléia, levantadas pelo IBGE, verifica-se que semelhante consumo de proteínas animais corresponde a uma dieta total de 1,7 milhão de kilocalorias. É Bolsa-Alimentação suficiente para dar de comer, na média nacional, a cerca 950 contribuintes num dia, ou uns tinta durante um mês.

Já houve tempo em que o vice-presidente da República (Café Filho, entre 1950 e 1954) presidia o Senado e morava no apartamento do primeiro andar do cruzamento de Nossa Senhora de Copacabana com Joaquim Nabuco. Nenhum presidente de Câmara teve o poder que o texano Sam Rayburn exerceu sobre os deputados americanos durante os dezessete anos que presidiu a Casa, entre 1940 e 1961. ¿Mr. Sam¿ comia em restaurantes chineses, não aceitava diárias nem bocas-livres. Não tratava com lobistas nem cobrava por palestras. Fez uma viagem oficial ao exterior (para inspecionar o Canal de Panamá) e pagou a despesa do seu bolso. Quando morreu, aos 79 anos, em 1961, tinha US$ 15 mil no banco e um apartamento dois quartos e sala em Washington. Era nele que vivia.

No tempo em que os petistas não sabiam o que era uma boa mordomia, os generais transformaram uma das granjas de Brasília em residência de fim de semana do presidente. Era a Granja do Riacho Fundo. Estiveram lá Emílio Medici e Ernesto Geisel. Dificilmente algum dos dois teve um consumo mensal de proteínas comparável ao de João Paulo Cunha. Scylla Medici decorou a granja com móveis capturados nos depósitos públicos de Brasília. Terminada a ditadura, Tancredo Neves mandou desativar a mordomia e devolver a granja à Viúva. Hoje o Riacho Fundo abriga a Asteca (Associação Terapêutica e Educacional para Crianças Autistas).

Se os candidatos à sucessão de João Paulo Cunha estiverem interessados em saber como se pode presidir a Câmara numa dieta de baixas calorias, podem procurar no Rio de Janeiro o ex-deputado Célio Borja. É conversa útil porque ele conheceu o Brasil em que viveram homens como Café Filho, presidiu a Câmara (1974-1976), foi ministro do Supremo Tribunal Federal (1986-1992) e da Justiça (1992). Tudo isso sem engordar. Célio tem outra vantagem: é praticamente abstêmio.