Título: Sinais de paz sobre escombros
Autor: COLOMBO
Fonte: O Globo, 05/01/2005, O Mundo, p. 25

A catástrofe das tsunamis semeou a paz em pelo menos duas regiões castigadas há décadas por conflitos internos. No norte do Sri Lanka, representantes do governo e do grupo rebelde Tigres da Libertação da Pátria Tamil ¿ inimigos mortais numa brutal guerra civil ¿ se reuniram para planejar a distribuição de ajuda às vítimas das ondas gigantes. Na província indonésia de Aceh, o líder do movimento separatista Aceh Livre, Malik Mahmud, disse que a devastação poderá ajudar a alcançar a paz.

Tigres tamis e funcionários do governo cingalês têm trabalhado juntos para consertar estradas danificadas pelas ondas gigantes e comandantes dos dois lados suspenderam ordens de controle de segurança para facilitar a chegada de ajuda às vítimas. Um hospital do governo chegou a aceitar tratar de um rebelde ferido.

Embora os tigres tamis ainda controlem firmemente a chegada de ajuda aos territórios que dominam, os sinais de cooperação representam algo extraordinário no país, onde há duas décadas eles vivem em conflito com forças do governo. O norueguês Arne Folleras, membro de uma equipe de socorro, afirmou que esta é a maior cooperação entre os dois lados desde que ambos assinaram um frágil cessar-fogo, em 2002.

¿ Tudo está fluindo muito facilmente. É uma atmosfera muito diferente. Todos nós sentimos como se estivéssemos trabalhando com o mesmo objetivo ¿ disse ele.

A cooperação é um resposta profundamente emocional à tragédia em que 30 mil pessoas morreram neste país de 19.5 milhões de habitantes. A catástrofe despertou nos cingaleses um desejo de paz, e o senso de unidade parece ter superado espontaneamente divisões étnicas.

¿ Vemos pessoas fortemente afetadas por isso. Elas pensam na possibilidade de trabalhar juntas e na necessidade de fazer isso ¿ afirmou um diplomata do Ocidente.

Com base no norte do Sri Lanka, os tigres tamis já cometeram 220 atentados com homens-bomba ¿ mais do que qualquer outro grupo no mundo ¿ e obrigam crianças a virar combatentes numa guerra cujo objetivo é criar um Estado independente para a etnia tamil no nordeste do país. O governo, dominado pela maioria de etnia cingalesa (cerca de 75% da população), estima que 64 mil pessoas morreram até a assinatura do acordo de paz, há quase três anos, embora a luta tenha continuado. Depois do maremoto, porém, tanto o governo quanto os rebeldes pediram ao país unidade.

Powell considera momento oportuno

Situação semelhante tem sido observada na tensa Aceh, região da ilha de Sumatra rica em gás, e onde as ondas gigantes mataram cerca de cem mil pessoas. Malik Mahmud, líder do Movimento Aceh Livre ¿ que desde 1975 luta contra o domínio indonésio ¿ disse na Suécia, onde está exilado, que o governo impedia o mundo de saber sobre a luta da região por independência, e que agora ¿as pessoas de fora sabem onde fica Aceh e o que é Aceh¿.

¿ Quando falamos sobre o desastre natural em Aceh e tragédias humanas como esta, falamos também de aspectos políticos de Aceh e do problema que temos com o governo indonésio. Isto é uma oportunidade ¿ afirmou.

Mahmud disse que embora ainda esteja esperando uma resposta de Jacarta ao cessar-fogo que os separatistas declararam unilateralmente em 27 de dezembro, para facilitar o socorro às vítimas, ele permanece com esperança de alcançar a paz.

Em visita ontem à Indonésia, o secretário de Estado americano, Colin Powell, alertou para a possibilidade de paz em regiões de conflito:

¿ Esperamos que esta crise, no que diz respeito à situação de Aceh, assim como do Sri Lanka, com os tigres tamis, possa criar algumas aberturas e oportunidades que possam ser usadas pelos dois lados.

Sua afirmação reforçou uma declaração feita semana passada pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, em que ele expressou esperança de que o desastre traga algo de bom, já que agora governos e rebeldes estão trabalhando juntos pelos necessitados.

¿ Espero que esta colaboração não termine com o fim da crise e que eles sejam capazes de construir (algo de bom) sobre isto e de usar essa nova dinâmica para resolver suas diferenças. Incentivaremos isto ¿ disse.

Em Índia e Somália, porém, grupos de milicianos dificultaram a chegada de ajuda às vítimas. Na Somália, um país que vive uma situação anárquica, sob um governo de transição, as tsunamis mataram cerca de 150 pessoas e afetaram a vida de outras 54 mil. A região mais atingida é Puntland, no nordeste. Na Índia, mais de 9.400 pessoas morreram.

No Sri Lanka, apesar dos sinais de paz, a guerrilha tamil se sente ameaçada pela chegada de soldados estrangeiros que participarão do socorro às vítimas, em especial os americanos, vistos como espiões, já que os EUA a consideram um grupo terrorista. Foram deslocados para o país 1.500 fuzileiros navais americanos, mil soldados indianos, 300 paquistaneses e ainda dezenas de militares russos e britânicos.

¿ A intenção das forças da Índia e dos EUA de desembarcar no Sri Lanka é algo baseado totalmente em seus interesses políticos ¿ disse o líder tamil Nallathamby Srikantha. Com o New York Times