Título: LISTA DO TRABALHO ESCRAVO CRESCE
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 03/01/2005, O país, p. 3
Levantamento do Ministério do Trabalho tem 65 infratores contra 49 do ano passado
A terceira lista do Ministério do Trabalho contendo nomes dos infratores que exploram o trabalho análogo ao de escravo no país é a mais volumosa dos levantamentos feitos desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Também conhecida por ¿lista suja¿, a nova relação inclui 65 infratores, sendo 55 fazendeiros e dez empresas, todos autuados pelas equipes de fiscalização móvel do ministério. A primeira lista, de novembro de 2003, trouxe 52 casos. A segunda, de julho de 2004, apresentou 49 nomes.
As ações de fiscalização são realizadas desde 1995 pelo grupo móvel, formado por fiscais, policiais federais e procuradores. Nos dois últimos anos, foram feitas 65 operações, resultando na libertação de 4.059 trabalhadores que estavam sendo explorados e trabalhando em condições análogas às de escravo, sem receber salários em dia, proibidos de deixar a fazenda, sem direitos trabalhistas e vivendo em condições precárias e degradantes. Mas foi nas autuações incluídas na primeira lista que se registrou o maior número de trabalhadores libertados até agora, cerca de cinco mil.
A partir de outubro de 2004, os produtores rurais flagrados explorando mão-de-obra escrava estão enfrentando dificuldade de excluir seus nomes das listas sujas do governo. O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, assinou uma portaria criando o Cadastro dos Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições semelhantes à de escravo. Os 166 produtores e empresas rurais das três listas estão agora nesse cadastro, o que significa mais dificuldades para obter acesso a recursos públicos, em especial dos fundos constitucionais.
Fazenda de Picciani está na nova lista
A portaria do ministro estabelece que essas propriedades serão fiscalizadas durante dois anos e, após esse período, se comprovado que não exploram mais o trabalho escravo, têm seus nomes excluídos da relação. A Secretaria de Inspeção do Trabalho, responsável pelos grupos móveis, irá criar uma equipe em 2005 que atuará especificamente na fiscalização das propriedades dos 166 infratores.
A nova lista traz nomes de políticos poderosos e influentes, empresários e diversos fazendeiros reincidentes, que tiveram seus nomes citados nas outras duas relações. A empresa Agropecuária Agrovás, do presidente da Assembléia Legislativa do Rio, Jorge Picciani (PMDB), integra a lista por causa de uma fiscalização feita em junho de 2003. Na ocasião, os fiscais flagraram, numa das fazendas do grupo, em São Félix do Araguaia (MT), 39 pessoas trabalhando em condições insalubres e vigiadas por seguranças armados. A empresa foi autuada e pagou R$150 mil de dívidas trabalhistas.
Em abril de 2004, Picciani fez um acordo com o Ministério Público do Trabalho e conseguiu que a Justiça extinguisse ação civil pública na qual respondia pelo crime de manter trabalhadores em regime de semi-escravidão. Ele se comprometeu a transformar a propriedade em modelo de respeito aos direitos trabalhistas. Mas, mesmo assim, sua propriedade foi incluída na lista. Somente após nova fiscalização, e depois de dois anos, a sua propriedade poderá ser excluída da relação.
Irmãos de PC foram presos em 2003
O grupo móvel de fiscalização libertou 99 trabalhadores, em 2002, na fazenda Santa Ana, em Cumaru do Norte, no Pará. A propriedade pertence ao ex-deputado federal Augusto Farias e sua irmã Eleuza Cavalcante Farias, irmãos de Paulo César Farias, ex-tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor de Mello. A fazenda aparece pela primeira vez numa lista suja do ministério. Em fevereiro de 2003, a Justiça Federal decretou a prisão dos dois, que chegaram a passar uma noite num batalhão da Polícia Militar, mas foram liberados no dia seguinte com hábeas-corpus.
A família Mutran, do Pará, está em todas as listas e aparece pela terceira vez consecutiva. Os Mutran são grandes pecuaristas e exportadores de castanha-do-pará. Nessa terceira lista, o grupo figura porque, na fazenda Cabaceira, em Marabá, foram encontrados 41 trabalhadores submetidos ao trabalho escravo, em 2002. A família fez um acordo com o Ministério Público do Trabalho e está pagando a maior multa já aplicada no país por exploração de trabalho escravo: R$1,35 milhão, em 18 parcelas. Por causa da prática de trabalho escravo, a Cabaceiras foi a primeira propriedade desapropriada e destinada a reforma agrária por ter o dono descumprido a legislação trabalhista ao explorar esse tipo de mão-de-obra.
Quem aparece também como reincidente é o empresário Constantino de Oliveira, que controla um dos maiores grupos de transporte urbano do país. Ele é pai de Constantino de Oliveira Júnior, presidente da Gol Linhas Aéreas. Na primeira vez, os fiscais resgataram 23 trabalhadores na fazenda Colorado, no Pará. O empresário aparece novamente, agora na terceira lista, acusado de submeter 259 trabalhadores ao trabalho escravo na fazenda Tabuleiro, na Bahia, em 2003.
Duas usinas açucareiras do Rio também constam da terceira lista. A Cupim, em Campos, onde foram libertados 73 trabalhadores, e a Barcelos, em São João da Barra, onde os fiscais encontraram 35 pessoas trabalhando em condições análogas às de escravos.