Título: TCU: `NINGUÉM GOSTA DE SER FISCALIZADO¿
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 03/01/2005, O país, p. 8

Presidente do tribunal diz que governo coopera, mas que vários órgãos oficiais têm resistências à fiscalização

Relator da auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) que identificou remessas irregulares e bilionárias de dinheiro para o exterior e que gerou a instalação da CPI do Banestado, o ministro Adylson Motta, novo presidente do órgão, classifica o caso como o ¿maior escândalo de corrupção em 500 anos de Brasil¿. Motta afirma que a indicação para o TCU do senador Luiz Otávio (PMDB-PA), que responde a processo no STF, causou ¿desconforto¿ no tribunal. Ex-deputado federal, Motta, que tomou posse no cargo na semana passada, afirma que o Banco do Brasil, o Banco Central, o Ministério da Fazenda e a Petrobras estão entre os setores do governo que dificultam a fiscalização do tribunal.

Entrevista:

Na sua posse, o senhor disse que não basta fiscalizar. É preciso cobrar a boa aplicação do recurso. Como?

ADYLSON MOTTA: A função do TCU é zelar pelo dinheiro público. E um dos aspectos a que se dá muita ênfase, foco do tribunal, é a aplicação dos recursos. Muitas vezes o gestor faz aplicação dos recursos dentro da lei, mas de forma ineficiente, errada, distorcida. Não é o fato de se gastar dentro da lei que se impede a dilapidação do erário. Não basta agir corretamente, mas com eficiência, economicidade e razoabilidade.

Há resistência de setores do governo à ação do TCU?

MOTTA: De maneira geral, o governo tem sido cooperativo. O próprio presidente da República deu apoio grande. Nunca tivemos óbice junto às autoridades superiores. Mas há nichos de resistência, que se pegam no princípio da inviolabilidade e dos sigilos bancário e fiscal. Muitas vezes se pede informação que não tem nada a ver com sigilos bancário e fiscal e, mesmo assim, eles são invocados e se dificulta o trabalho. É preciso uma legislação mais clara, definindo com todas as letras onde se pode ou não se penetrar nessas informações.

Onde se localizam esses nichos de resistência?

MOTTA: O Banco Central, o Banco do Brasil, a Petrobras e a Fazenda têm feito objeções. Sempre invocam esse princípio. Ninguém gosta de ser fiscalizado.

As sanções que o TCU aplica estão sendo executadas?

MOTTA: Tomamos a decisão, mas quem executa é a Advocacia Geral da União, órgão que ainda está se estruturando e tem tido dificuldade em acompanhar as decisões. Levantamento recente mostra que só 2% das nossas decisões são executadas. Não estou culpando a AGU, mas evidente que eles estão preocupados. Vai ter um momento em que terão condições de fazer esse trabalho com mais eficiência.

O relatório final da CPI do Banestado propôs anistia fiscal e criminal para quem enviou dinheiro irregularmente para o exterior. O que o senhor pensa dessa proposta?

MOTTA: Trabalhei nesse processo. Fui relator, indiquei caminhos e apontei supostos responsáveis. Em nenhum momento acusei esse ou aquele de ser desonesto, de ter se locupletado, mas por ter descumprido ou exorbitado em suas funções. Hoje existe o sujeito que, para aliviar a sua pena e ter proteção, não é punido desde que colabore. A proposta da CPI é, para não perder tudo, é preferível trazer alguma parcela. Fundamental é que seja provado e comprovado que é dinheiro bem havido, embora a remessa tenha sido um ato de desonestidade e que contrariou as regras existentes. Sonegação de imposto é crime.

Como avalia o suposto envolvimento de servidores do TCU em desvio de dinheiro, como revelou a PF?

MOTTA: O ex-presidente Valmir Campelo tomou as medidas necessárias. Se há fato concreto que deponha contra ação de quem quer que seja, tem que ser investigado. Houve uma coisa muito violenta, que foi a maneira externa. Muito pirotécnica. Mas o importante é que o TCU tomou as providências necessárias. Está havendo investigação e a verdade vai prevalecer.

Quando fala em pirotecnia, o senhor se refere à ação da PF?

MOTTA: Sim. Tenho grande respeito pela Polícia Federal. Faz um serviço que não é simpático, mas extremamente necessário. Tem obtido excelentes resultados. Mas precisava algemar as pessoas e trazer para sua repartição, deixando-as expostas para seus colegas?! E vamos argumentar que ele não tenha culpa. Como seria reparado isso? Essas coisas que preocupam. A Polícia Federal é um orgulho para nós, é referência. Mas a forma foi um pouco exagerada.

Outra polêmica foi a indicação pelo Senado do senador Luiz Otávio (PMDB-PA) para uma ocupar uma vaga no TCU. Como avalia essa indicação?

MOTTA: Ele tem que ser submetido ainda a votação na Câmara. Pelo que alguns deputados me falaram, não sei se terá facilidade em aprovar na Câmara. A verdade é que foi aceita uma denúncia (de falsidade ideológica e crime contra o sistema financeiro) contra ele, que está tramitando no STF. Talvez isso seja um problema porque, pela Constituição, o candidato tem que ter idoneidade moral e reputação ilibada.

Qual está sendo a repercussão da indicação do senador entre os ministros do TCU?

MOTTA: Tem havido um certo desconforto. Diria que foi uma surpresa, em face dos antecedentes, o Senado ter feito essa indicação.