Título: CURTO-CIRCUITO EM FURNAS
Autor: Enio Vieira, Carlos Orletti, Érica e Fabiana R.
Fonte: O Globo, 03/01/2005, Economia, p. 15

Empresa desconhece causa do apagão e diretor é desautorizado sobre risco de novo blecaute

Um dia depois do apagão que deixou sem energia por uma hora e meia a maior parte dos estados do Rio e do Espírito Santo no primeiro dia do ano, técnicos de Furnas ainda não sabiam dizer o que acontecera na subestação de Cachoeira Paulista, São Paulo. Até ontem, a única informação é de que houvera uma falha nos sensores da subestação, responsáveis por ativar sistemas de proteção nas linhas de transmissão. Os sensores desligaram indevidamente duas linhas, o que só acontece em caso de problemas como fortes tempestades e curto-circuitos. O diretor de Operações de Furnas, Fábio Resende, chegara a dizer no início da tarde de ontem que não descartava a possibilidade de um novo blecaute:

¿ Um novo apagão pode acontecer de novo já que a partir de amanhã (hoje) o consumo de energia aumenta. Estamos investigando o motivo. Isolamos o ponto onde aconteceu a falha nos sensores e alteramos a configuração do sistema para evitar novos problemas.

Ministra contradiz diretor de Furnas

No fim da tarde, a ministra de Minas e Energia, Dilma Roussef; o diretor de Operações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata; e o presidente de Furnas, José Pedro Rodrigues de Oliveira, se mobilizaram para desmentir as declarações de Resende. Através de sua assessoria, a ministra disse que foram tomadas medidas para afastar o risco de blecaute. Entre elas, a entrada em operação de usinas térmicas, que são reservas de energia.

O presidente de Furnas disse que o sistema está funcionando bem, mas admitiu que a causa do blecaute é desconhecida:

¿ O sistema está firme. Não sabemos até agora o que aconteceu, mas um sistema enorme como o nosso está sujeito a interrupções.

O blecaute atingiu toda a área de concessão da Ampla, prejudicando cerca de dois milhões de clientes, entre 18h31m e 19h50m de sábado. No caso da Light, praticamente toda a sua área de atuação foi afetada: dos 31 municípios atendidos pela concessionária, 28 sofreram com o apagão. O blecaute não chegou a Levy Gasparian, Capivari e Sapucaia, além de parte de Duque de Caxias (Xerém). Ainda assim, ficaram sem luz 3,6 milhões de consumidores da empresa, entre 18h40m e 20h20m do dia 1º. Todos os 78 municípios capixabas foram atingidos pelo apagão, que teve início às 18h32m e durou 1h38m.

O diretor de Operações de Furnas disse ainda que os efeitos do apagão poderiam ter sido maiores se fosse um dia útil. Como era feriado, a carga de energia estava mais baixa, e o ONS já tinha determinado o desligamento de uma das linhas.

¿ Como a carga de energia estava baixa, uma vez que era feriado, o ONS já tinha determinado o desligamento da linha Adrianópolis 3. Quando aconteceu a falha nos sensores, foram desligadas a linha Adrianópolis 1 e a de Angra. Restou apenas a linha Adrianópolis 2, que não suportou a sobrecarga de energia e acabou se desligando. O apagão só aconteceu de fato quando a quarta linha se desligou ¿ explicou o diretor de Furnas.

De acordo com Furnas, às 18h31m aconteceu o desligamento geral das linhas que deixaram sem luz Rio e Espírito Santo e, às 19h46m, o sistema já estava normalizado para as concessionárias Light, Ampla (antiga Cerj) e Escelsa (ES).

Para o especialista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE), é preciso investigar as causas: se o problema persistir, acrescenta, o setor elétrico brasileiro pode estar dando sinais de que não tem condições de atender a atual demanda de consumo.

¿ Se o aumento de consumo de amanhã (hoje) e dos próximos dias representa uma ameaça, a hora é de avaliar o modelo do setor elétrico. Até porque, sozinho, o governo não tem como acompanhar o ritmo de crescimento do país, que exige investimento em energia.

O governo do Rio vai enviar hoje um ofício ao ONS pedindo explicações formais sobre o blecaute. O secretário estadual de Energia, Indústria Naval e Petróleo, Wagner Victer, vai solicitar ainda que o ONS reformule seu modelo para o fornecimento de energia ao Rio, para que o estado não fique tão dependente da subestação de Cachoeira Paulista.

¿- É inaceitável que um problema deste tipo ocorra. Não pode haver um sistema operacional no qual uma falha corte a energia de um estado inteiro ¿ disse Victer.

Casas alagadas e prejuízos na Vale

Os prejuízos por causa do blecaute foram variados. A Companhia Vale do Rio Doce deixou de produzir 20 mil toneladas de pelotas. O funcionamento das usinas é mantido pela energia gerada pela Escelsa e, quando há interrupção, as unidades param de uma vez. Como a retomada da produção é feita de maneira gradual, as usinas da Vale ficaram paradas desde o início do apagão, às 18h30m, até às 23h30m.

Em Volta Redonda, o apagão exigiu que a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) efetuasse uma queima de gases na coqueria. O procedimento de segurança assustou alguns moradores, que acreditavam que havia um incêndio na usina.

Quarenta casas do bairro de Prados Verdes, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, ficaram alagadas, porque, segundo a Cedae, quando a energia voltou, a pressão nos canos aumentou e os ladrões tiveram que ser abertos. A água foi despejada num valão que corta Prados Verdes. Mas, por causa do assoreamento, 11 ruas foram atingidas. Em seu primeiro dia de mandato, o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), visitou ontem Prados Verdes e disse que já acionou os advogados da prefeitura para garantir que a Cedae indenize os moradores.

Às 19h37m de ontem, houve uma oscilação de energia em alguns pontos do Rio, devido a problemas na subestação de Cascadura. Segundo a Light, a baixa de energia não teve relação com o blecaute.