Título: Uma segunda onda de mortes
Autor: BANDA ACEH, Indonésia
Fonte: O Globo, 03/01/2005, O Mundo, p. 18

Cruz Vermelha e ONU advertem que doenças já começam a aparecer em Aceh

Uma segunda onda de mortes pode estar prestes a assolar as áreas mais severamente atingidas pelo catastrófico maremoto que devastou partes do litoral do Oceano Índico na manhã do dia 26 de dezembro, causando pelo menos 145 mil mortes e afetando as vidas de 5 milhões de pessoas em 13 países. Na província indonésia de Aceh, onde o número de mortos passa de 80 mil, já aparecem os primeiros sintomas da ocorrência de doenças que os organismos internacionais temem transformar-se em epidemias com um potencial letal semelhante ao das tsunamis.

Fome, falta de água potável e de medicamentos podem tornar ainda piores as conseqüências já apocalíticas do mais devastador maremoto da História.

¿ O maior problema neste exato momento é a água: está contaminada ¿ advertiu Jorgen Poulsen, chefe da Cruz Vermelha dinamarquesa, num centro de distribuição de alimentos em Banda Aceh. ¿ Esperavámos poder evitar a cólera, mas já vimos pessoas com sintomas.

Um funcionário do Fundo da ONU para a Infância (Unicef) disse haver relatos de crianças começando a morrer de pneumonia em Aceh após beberem água contaminada.

O desespero dos sobreviventes em Aceh ¿ atingida primeiro pelo maior terremoto nos últimos 40 anos e logo em seguida pelas tsunamis por ele geradas ¿ fica patente quando surgem no céu os helicópteros indonésios, americanos e cingapurianos que levam ajuda humanitária às zonas mais remotas. Multidões se aglomeram e cercam os aparelhos, em alguns casos impedindo até sua aterrissagem. A destruição da infra-estrutura médica em Aceh está fazendo com que cirurgias sejam realizadas às vezes sem anestesia, apenas amarrando-se os pacientes às macas.

Em Banda Aceh, fogueiras imensas de escombros queimam dia e noite na tentativa de limpar o que restou da cidade, capital provincial, onde tratores removem o entulho. A tensão na região não diminui por causa dos inúmeros tremores secundários que quase diariamente vêm atingindo Aceh desde a tragédia.

Enchentes, novo fardo para Sri Lanka

No Sri Lanka, que teve 40 mil mortos, os trabalhos de reconstrução estão sendo prejudicados por enchentes causadas por chuvas torrenciais. O governo informou ontem que uma centena de presos soltos da prisão de Matara para que escapassem das tsunamis se entregaram voluntariamente às autoridades para continuar a cumprir suas penas. Outros 200 não voltaram, mas o sistema judiciário não sabe se estão mortos ou se se tornaram fugitivos. A anistia para que retornem foi estendida até o próximo domingo.

No país, as vendas de peixes e frutos do mar despencaram em até 90% ontem devido ao temor da população de que os animais marinhos tenham se alimentado dos cadáveres das vítimas das ondas gigantes arrastadas para o oceano.

¿ Somos duas vezes vítimas. Perdi todos os meus barcos, e quando venho aqui ninguém quer peixe ¿ desolava-se A. P. Padmasiri, que teve de devolver um caminhão carregado de peixe do mercado de San Juan para o refrigerador.

Nos arquipélagos de Andaman e Nicobar, os ilhéus estão em pé de guerra com as autoridades, acusando-as de lentidão no socorro às vítimas. As ilhas estão perto do epicentro do terremoto e foram duramente castigadas pelas tsunamis, com milhares de corpos ainda não recuperados nas partes mais remotas, cujo acesso é vedado às organizações humanitárias pelo governo indiano.

Na Tailândia, elefantes estão sendo usados para remover escombros nas praias arrasadas pelas ondas. O número de mortos no país já chega a cinco mil, a maioria turistas ocidentais.