Título: ESTAMOS COM A AUTO-ESTIMA ELEVADA E PRONTOS PARA CONTINUAR¿
Autor: Sérgio Fadul e Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 02/01/2005, O País, p. 8 e 9

Diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda diz que as grandes operações da corporação este ano vão priorizar o combate ao tráfico de armas e a crimes ambientais

A reação de alguns setores da sociedade e da administração pública contra a ofensiva anticorrupção da Polícia Federal não abalou o delegado Paulo Lacerda. Com a mesma tranqüilidade com que coordenou as 55 grandes operações da PF nos dois últimos anos, o diretor-geral da PF sustenta que os policiais estão motivados e com fôlego suficiente para repetir a dose nos próximos dois anos.

¿ Matéria prima (corrupção), aquilo que a criminalidade faz, do colarinho-branco ou não, isso não falta no Brasil ¿ diz.

Em 2005, a PF deve concentrar suas atividades principalmente na repressão a crimes ambientais e ao contrabando de armas. O governo anda preocupado com o avanço do desmatamento na Amazônia. O diretor também confirmou que o governo sofre pressões contra as operações anticorrupção, mas disse que as reclamações são filtradas pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

Mais de um terço dos presos nas grandes operações da PF são servidores públicos. O serviço público está podre?

PAULO LACERDA: A administração pública no Brasil tem vícios desde o descobrimento. Mas acho que a maioria dos servidores públicos é honesta.

A minoria dá a impressão de que o sistema está viciado?

LACERDA: Isso não é de agora. Este governo aumentou muito a luta contra a corrupção, mas estamos num processo de melhora. Antes as coisas ficavam escondidas. E quando se começa a mexer em coisas podres e elas expelem odores ruins, você percebe mais.

Como está o combate à corrupção nas polícias?

LACERDA: Na PF, sem dúvida, essa é uma prioridade. Já fizemos um bom trabalho em São Paulo e no Rio, onde vamos fazer mais ainda. Isso tinha que ser feito em todas as polícias.

Nestes dois últimos anos, a PF fez 55 grandes operações. Há fôlego para fazer mais 55 nos próximos dois anos?

LACERDA: A PF está supermotivada. Estamos com auto-estima bem elevada. Isso é bom. Significa que estamos prontos para continuar. Matéria-prima, o que a criminalidade faz, do colarinho-branco ou não, não falta no Brasil. É lógico que vamos continuar.

Numa conversa com delegados, o ministro Márcio Thomaz Bastos falou sobre uso de algemas, superexposição dos acusados. Como isso refletiu na PF?

LACERDA: O ministro disse que queria dar uma contribuição, que se discuta essa questão da superexposição ou não. O ministro não emitiu a opinião dele. Grande parte do êxito da polícia deve-se à independência que o ministro e o presidente da República têm dado à PF até mesmo em momentos delicados, quando a PF prendeu pessoas ligadas ao governo. É lógico que eles, no Ministério da Justiça, recebem críticas e repassam. Queremos encontrar uma sintonia fina. O programa de governo do PT diz que a PF é uma caixa-preta, que governos sucumbem à PF. Tenho minhas dúvidas se aquilo está colocado de maneira correta. Mas achei que uma maneira boa de desmistificar isso era abrir essa caixa-preta, dar mais de acesso à mídia aos trabalhos da PF. Não se fala mais em caixa-preta na PF. Ao contrário, fazem a crítica inversa, de superexposição. Queremos saber agora o freio que temos de botar aí.

Quem critica? São pessoas que não têm defesa no conteúdo e atacam a forma de ação da PF?

LACERDA: Não sou tão duro assim. É possível que tenhamos errado em alguns casos. Acho que precisamos refletir sobre isso. Recentemente a PF de Minas apresentou um assaltante de banco. A PF prendeu e chamou a imprensa para exibi-lo. É uma coisa de que não gosto. Acho errado.

É uma cena humilhante.

LACERDA: Mas ninguém reclamou. Porque aquele é o tipo de bandido que a gente chama de pé-de-chinelo. Se fizesse a mesma coisa com um colarinho-branco, o superintendente lá estaria em maus lençóis. Num encontro sobre lavagem de dinheiro, o diretor da Agência de Combate à Lavagem de Dinheiro do Reino Unido, Adrian Brenton, falou o seguinte: ¿Estamos procurando criar todo tipo de embaraço aos delinqüentes do colarinho-branco. Queremos usar uma forma bem cruel, o máximo de divulgação dos delitos praticados, de superexposição do criminoso na imprensa, que é para ele ficar deprimido e ser visto como um elemento nocivo na sociedade¿.

E qual a sua opinião?

LACERDA:Sou contra. A gente não pode levar uma pessoa à execração pública. Talvez tenhamos que chegar a um meio-termo. Não exibir a pessoa algemada. Mas a pessoa tem que ser algemada. É questão de segurança.