Título: PILOTO DO ESTADO A SERVIÇO DO TRÁFICO
Autor: Ana Cláudia Costa
Fonte: O Globo, 04/01/2005, Rio, p. 8

Funcionário preso fez mapa aéreo da Rocinha para Dudu e o transportaria em carro oficial

Antes de tentar invadir a Rocinha, em abril do ano passado, o traficante Eduíno Eustáquio de Araújo, o Dudu, contou com informações e levantamento aéreo de toda a favela e também do Morro do Vidigal fornecidos pelo piloto de helicóptero Lino Ramalheira de Abreu, de 49 anos, contratado pela Coordenadoria Geral de Operações Aéreas (Cgoa), subordinada ao Gabinete Civil do governo do estado. Em suas carteiras funcionais apareciam a inscrição Palácio Guanabara. O piloto, segundo a polícia, é amigo de Dudu há 12 anos e dava cobertura a ele, servindo de motorista e transportando o traficante para várias favelas do Rio. Há suspeita de que usasse até carro oficial. Dudu é ainda padrinho de uma filha, de 4 anos, de Lino.

O chefe de Polícia Civil, delegado Álvaro Lins, suspeita que Lino passasse informações privilegiadas para Dudu sobre operações aéreas da Polícia Civil em favelas, já que convivia com pilotos de helicópteros da polícia e sabia da rota de todas as aeronaves que levantavam vôo do Cgoa diariamente. Lino foi preso na manhã de domingo, por policiais da 15ª DP (Gávea), quando chegava ao heliponto da Lagoa para trabalhar.

Piloto investigado há um mês

O piloto, que não é militar e foi contratado para cargo comissionado em fevereiro de 2002, fazia vôos executivos, transportando secretários do governo. Segundo Álvaro Lins, ele vinha sendo investigado há um mês e pode ter transportado o traficante Dudu de uma favela para outra em carro oficial, além de no seu Suzuki. Lino também levava o traficante para bailes funk nos morros do Borel e do Salgueiro, na Tijuca.

¿ Numa conversa captada num dos grampos autorizados pela Justiça, o Dudu afirma que está aguardando o piloto no Morro do Pavão-Pavãozinho e diz que Lino o buscaria de viatura ¿ informou Álvaro Lins.

Num outro telefonema interceptado, o piloto diz que vai buscar Dudu na entrada do Pavão-Pavãozinho, mas o traficante pede a ele para esperar, porque estava num ponto alto da favela e demoraria para descer.

¿ Ele (o piloto) se movimentava com o traficante e utilizava sua carteira para passar por blitzes da polícia sem ter o carro revistado ¿ afirmou o chefe de Polícia Civil.

Funcionário foi exonerado ontem

O delegado foi ontem à 15ª DP (Gávea) ¿ também responsável pela captura de Dudu, na sexta-feira passada, em Saquarema ¿ parabenizar os policiais pela prisão de Lino. Em 22 de dezembro, a polícia teve certeza de que o piloto era o homem que dava cobertura ao traficante e imediatamente passou as informações ao secretário de Segurança Pública, Marcelo Itagiba, e à governadora Rosinha Garotinho. Lino não foi preso antes, de acordo com o delegado Rodrigo Martiniano, para que a polícia pudesse chegar a Dudu. O piloto foi exonerado ontem pelo governo do estado.

¿ Nós já sabíamos que havia alguém dando cobertura ao Dudu e desconfiávamos que fosse policial ¿ disse Lins.

Com o piloto foram apreendidos uma carteira de identidade falsa em nome de Paulo César Gama da Cruz, com uma foto de Dudu; uma pistola Glock PT 380; documentos; fotografias do traficante com a filha de Lino; três celulares; uma faca e alguns CDs. Também foi recolhida uma foto em que o piloto aparece armado, numa missão em Manaus para um órgão ainda não confirmado pela polícia. O piloto vai responder a inquérito por crime de associação para o tráfico de drogas e porte ilegal de armas.

Em depoimento na delegacia, o piloto confirmou que conhece Dudu há 12 anos, além da mãe e da irmã do bandido. Lino disse que tinha uma oficina e que conheceu o traficante quando ele trabalhava lá como lanterneiro. O piloto admitiu que naquela época já sabia que Dudu era ligado ao tráfico de drogas.

Lino contou que recebeu um telefonema de Dudu em fevereiro, pedindo para ver a afilhada, e que há dois meses o levou de carro até a Central do Brasil. Ele confirmou que já visitou o traficante uma vez na cadeia, mas negou ser motorista dele e ter feito levantamento aéreo das favelas da Rocinha e do Vidigal para Dudu.

Na delegacia, Lino forneceu aos policiais o endereço da namorada do traficante, identificada apenas como Priscila, em Higienópolis. Investigadores da 15ª DP acreditam que o local era um dos esconderijos do criminoso, já que tinha apenas cama, televisão, aparelho de DVD e geladeira. No endereço foi apreendida uma pistola nove milímetros de fabricação israelense.

Após o depoimento na 15ª DP, o piloto foi transferido para a Polinter.

Contratação de piloto foi em 2002

Com um salário bruto de R$1.590,00, Lino foi contratado em 25 de fevereiro de 2002 para o Cgoa e era lotado no Gabinete Civil do governo do estado, com matrícula 0868491-2. No contracheque do piloto, a função era especificada como servidor ¿em situações diversas¿. Após ser descoberto durante as investigações, ele foi monitorado de perto pelo Gabinete Militar do governo estadual.