Título: Na área de saúde, briga à vista com a União
Autor: Selma Schmidt
Fonte: O Globo, 02/01/2005, Rio, p. 15

NOVO GOVERNO: CESAR MAIA DIZ QUE ESTADO TAMBÉM TEM QUE INVESTIR MAIS PARA ABSORVER DEMANDA DE PACIENTES

Prefeito quer que Brasília assuma despesas com unidades federais municipalizadas e ameaça não repor funcionários

Em meio a promessas não cumpridas ao longo dos últimos quatro anos e a uma forte crise no setor da saúde, o prefeito Cesar Maia inicia uma nova gestão anunciando uma queda-de-braço com o Ministério da Saúde. Na briga por recursos federais, Cesar decidiu não mais repor pessoal dos 28 hospitais, maternidades e postos federais municipalizados de 1995 a 1999. Os servidores da União que se afastarem não serão substituídos e os sete mil funcionários municipais lotados em unidades do Ministério da Saúde poderão se transferir para a prefeitura.

Da lista de unidades federais municipalizadas constam grandes hospitais: da Lagoa, do Andaraí, de Ipanema, Raphael de Paula e Souza (Curicica), Instituto Pinel, Colônia Juliano Moreira e Nize da Silveira (Engenho de Dentro). O secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coelho, estima que, dos 30 mil atendimentos feitos por dia na rede de saúde administrada pela prefeitura, aproximadamente 12 mil (40%) sejam em unidades federais. Ele acredita que esse percentual suba para 50% no caso de pacientes internados.

- O governo federal tem de cobrir as despesas das suas unidades e deixar a gerência com a prefeitura - disse Cesar. - Não vou esvaziar as unidades municipais, mas sim as federais. Se o governo federal disser que não está satisfeito, digo: "Tome as suas unidades de volta".

A decisão de não repor funcionários será formalizada num dos quatro atos que Cesar publicará no Diário Oficial de terça-feira. Antes de participar da solenidade de posse ontem, na Câmara dos Vereadores, ele anunciou ainda as outras três decisões: convocar a Câmara extraordinariamente para votar projetos de interesse da cidade; criar a Subsecretaria especial de Eventos, que assumirá atribuições da Riotur; e marcar uma reunião com grandes empresários para discutir parcerias público-privadas.

Para o prefeito, a solução para os problemas da saúde é financeira. Ele alega que, nos últimos dois anos, a prefeitura aplicou no setor 17,8% das receitas de tributos constitucionais, mais do que determina a legislação. Mas a demanda, avaliou, ultrapassa os 20%, já que as unidades da prefeitura atendem a boa parte dos pacientes da Região Metropolitana:

- O governo federal tem de ampliar a responsabilidade sobre suas unidades. O estado também tem de aplicar 10% em vez de 6% das receitas constitucionais na saúde e absorver demanda.

Segundo Ronaldo Cezar Coelho, o déficit acumulado nos últimos 11 anos com as despesas de custeio na área de saúde chega a R$200 milhões. A solução para os problemas do setor, disse ele, está na criação de um fundo metropolitano para juntar recursos federais, estaduais e dos municípios da região:

- Cada um receberia conforme procedimentos que fizesse.

Cesar e Ronaldo tratam o atraso no pagamento a fornecedores de alimentos - com reflexos no funcionamento de hospitais - como questão à parte.

- Não se pode pagar por um serviço que não se sabe se foi prestado. Em vez de entregar cem, entregaram 40, por exemplo. Não se consegue comprovar e não se paga. Aí começa um jogo do recebe, não recebe - afirmou Cesar.

A crise na saúde

Não foi à toa que, na campanha eleitoral, o prefeito Cesar Maia reconheceu a Saúde como principal vidraça de seu segundo mandato. Apesar de dividir os erros cometidos na área com o governo federal, Cesar admitiu que o Programa Saúde da Família não tem o número de unidades necessárias. A crise, durante seu segundo mandato, chegou a deixar mais de 150 mil pessoas sem consulta. As principais causas foram o atraso no pagamento de funcionários e fornecedores, o que levou ao fechamento de postos de saúde da Zona Oeste.

Em junho, inspeções feitas por integrantes do Sindicato dos Médicos e parlamentares em unidades municipais apontaram uma série de problemas. O Hospital de Ipanema, de acordo com o grupo, vinha reduzindo o número de operações por falta de pessoal e material básico. Segundo a comissão, das 11 salas do centro cirúrgico, só quatro estavam em operação.

No Hospital Salgado Filho, a comissão denunciou ter encontrado até baratas numa enfermaria. Na época, o secretário de Saúde, Ronaldo Cézar Coelho, acusou o Sindicato dos Médicos de manipular fotografias que foram divulgadas nos jornais. No hospital Souza Aguiar, médicos denunciaram falta de remédios, luvas e equipamentos. Cirurgias eletivas chegaram a ser canceladas por falta de roupa e material esterilizado. Serviços de manutenção tiveram seus contratos rescindidos.