Título: DEBATE SOBRE INFLAÇÃO GANHA NOVO TOM
Autor: Ronaldo D"Ercole
Fonte: O Globo, 02/01/2005, Economia, p. 30

Discussão sobre metas substitui preocupação com alta de preços

SÃO PAULO. Há 15 anos, a inflação de dezembro, na época medida pelo IPC do IBGE, batia 53,6%. Assim, a economia brasileira encerrava 1989 com uma alta acumulada nos preços da ordem de 1.765,47%. Na virada para 1990, em meio ao "vácuo de poder" que separou os últimos meses do governo de José Sarney da posse de Fernando Collor de Mello, em março, a questão entre os economistas era se o IPC de janeiro ficaria em 60% ou 70%. E mais: tais índices, afinal, caracterizavam ou não um processo de hiperinflação?

Nestes últimos dias de 2004, a inflação continua na ordem do dia, mas o tema hoje é alvo de um debate mais refinado. O descontrole de preços é algo fora de questão, e as atenções se voltam para as tendências do núcleo do IPCA, o sucessor do IPC. Ou se a meta de inflação revista pelo Banco Central para 2005, de 5,1%, é audaciosa demais.

- Hoje estamos brigando pela segunda casa decimal - observa o coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe, Paulo Picchetti.

Segundo Picchetti, a inflação está estabilizada num patamar baixo e eventuais desvios nos índices são muito localizados:

- Tudo indica que 2005 será bom, pois o cenário externo é favorável. A economia global vai crescer menos, mas vai crescer, há uma acomodação nos preços das commodities e o câmbio não será fonte de pressão de preços.

O problema, para Picchetti, é a rigidez com que o BC define a meta para o IPCA e aplica a política de juros altos para alcançá-la. Se fosse mais explícito na forma como está tolerando os choques de oferta para definir o centro da meta, pondera, o BC não precisaria ser tão duro com os juros.

O economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Consultores, ressalta que os preços das commodities industriais (aço, papel e celulose e petroquímicos) continuam pressionados e que a demanda forte no Natal deixa espaço para a indústria local repassar aumentos para recuperar margens. Por isso, considera difícil a meta de 5,1% para o IPCA e projeta variação de 6,5% para 2005.

- Não é que a inflação vá subir, só não vai é cair na velocidade necessária para se chegar ao centro da meta - diz Mendonça de Barros, observando que só os preços administrados, que respondem por um terço do IPCA, já devem contribuir com 3,2 pontos percentuais do índice ano que vem. - Se fosse 5,9%, seria muito mais viável.

Para Mendonça de Barros, o pior do juro alto está em inibir investimentos:

- O pior impacto está nas expectativas dos empresários. É um dilema, porque com os juros subindo fica a dúvida de que o país vai mesmo continuar crescendo.

Já para o economista-chefe do Bradesco, Octávio de Barros, a perspectiva de juros mais altos não deve afetar a retomada dos investimentos.

- O ciclo de investimentos em curso é generalizado e não depende dos juros, pois as empresas estão usando recursos próprios ou dinheiro do BNDES - diz Barros, que viu na última ata do Copom sinais de que o BC olha a meta de inflação ao alcance das mãos. - Pela primeira vez (o BC) está se dando conta de que 2005 pode ser o grande ano da reputação do regime de metas.

Por isso, entende Barros, a ata teve o objetivo de forjar expectativas dos agentes econômicos: de um lado, não quis sancionar a euforia que os dados recentes da economia suscitam; e de outro, aponta que o ciclo de aperto está próximo do seu fim.