Título: TESOURO POLÍTICO
Autor: Regina Alvarez e Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 06/01/2005, O País, p. 3

Órgão dá tratamento privilegiado a São Paulo para agradar a Marta e, depois, a Serra

Pressionado politicamente, o Tesouro Nacional feriu pelo menos em dois momentos as regras do contrato de renegociação da dívida da Prefeitura de São Paulo. Para compensar tratamento privilegiado dado à então prefeita Marta Suplicy (PT) em dezembro, quando deixou de bloquear os recursos referentes à parcela da dívida vencida no dia 30 de novembro, o Tesouro mandou liberar na última segunda-feira, dia 3, R$145 milhões em recursos bloqueados automaticamente pelo Banco do Brasil no dia 30 de dezembro, quando venceu mais uma parcela da dívida.

Com o bloqueio, o prefeito José Serra (PSDB), que assumiu no sábado, dia 1º, encontrou no caixa da prefeitura apenas R$16 mil na segunda-feira, primeiro dia útil de seu mandato, enquanto havia cheques no valor de R$16 milhões emitidos na praça. Esse foi um dos argumentos que levaram o BB a reverter o bloqueio realizado no dia 30.

O prefeito havia se reunido com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, em Brasília, dia 28, para pedir tratamento isonômico ao governo federal em relação ao pagamento da dívida. Pouco antes, Marta Suplicy, ainda prefeita, conversou longamente com Palocci, quando, certamente, comunicou que não pagaria a parcela com vencimento no dia 30. Serra teria reivindicado a Palocci prazo de 20 dias para a quitação desta parcela, que promete pagar.

Por causa do tratamento diferenciado dado a Marta em novembro, o BB recuou e liberou os recursos que havia bloqueado da conta da prefeitura no penúltimo dia do ano. Os contratos de renegociação da dívida e a lei que autorizou a renegociação determinam que, no caso de inadimplência, o Tesouro deve executar imediatamente as garantias ¿ que equivalem ao bloqueio das receitas do ICMS e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ¿ em valor correspondente à parcela da dívida vencida.

Em novembro, segundo especialistas, o Tesouro já teria ferido pela primeira vez a lei e o contrato de renegociação da dívida, ao atender a pedido da prefeita Marta e não determinar o bloqueio automático de R$91 milhões em receitas da prefeitura, equivalente à parcela da dívida vencida no dia 30 daquele mês. Na ocasião, a prefeitura pagou apenas R$33 milhões, tendo restado um saldo de R$58 milhões, que só foi quitado depois do dia 20.

Em 30 de dezembro, venceu mais uma parcela de R$105 milhões da dívida da prefeitura, que, somada com mais R$40 milhões de outras dívidas com organismos internacionais e o BNDES, resultou no bloqueio de R$145 milhões da conta da prefeitura no Banco do Brasil.

Tucano: ¿Vamos fazer o pagamento¿

Depois da pressão de Serra e de vários tucanos, que reivindicaram tratamento igual ao dado a Marta, o Tesouro adotou, mais uma vez, uma posição política e mandou liberar os recursos. A falta de execução das garantias em caso de inadimplência nos contratos de renegociação da dívida pode levar ao enquadramento das autoridades responsáveis, no caso o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, em crime de improbidade administrativa.

No artigo 10, a lei caracteriza como ato de improbidade administrativa qualquer ação que cause dano ao erário. A economista Selene Nunes, especialista em Lei de Responsabilidade Fiscal e consultora do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), lembra que a pena nesses casos inclui o ressarcimento do dano e perda do cargo, entre outros punições. Ela ressalta que seu parecer não é específico para o caso do Tesouro, pois ela não conhece os detalhes da operação.

O Ministério da Fazenda e a Secretaria do Tesouro Nacional não quiseram se pronunciar sobre a questão. Nenhuma autoridade em Brasília quis comentar o caso, mas o clima na Esplanada era tenso. Joaquim Levy foi chamado para uma reunião na Casa Civil, no início da tarde, e por lá permaneceu até tarde da noite. O BB limitou-se a informar que apenas cumpre as determinações do Tesouro, que é o credor da dívida da prefeitura de São Paulo.

O prefeito José Serra garantiu ontem que vai honrar a dívida do município junto à União, quitando ainda este mês a parcela do refinanciamento referente a dezembro.

Serra disse que já está negocia com o Ministério da Fazenda uma solução e que pagará a parcela em atraso:

¿ Nós estamos conversando com o Ministério da Fazenda, procurando uma solução, mas vamos pagar esta parcela antes da próxima. Não tenha dúvida: vamos fazer o pagamento dentro do prazo o mais breve possível porque vamos cumprir com as responsabilidades de São Paulo, independentemente de quem tenha incorrido nelas. Foi problema da prefeitura anterior, (mas) temos o dever de corrigir.

De acordo com o prefeito paulistano, o momento não é para lamentar, mas para resolver os problemas. Por isso, disse, a atual administração está colocando em prática uma política de austeridade.

¿ Não adianta ficar apenas se lamentando. Temos que atuar concretamente para resolver esse problema. Por isso, estamos fazendo agora uma política de grande austeridade, para poder cumprir os compromissos e, ao mesmo tempo, atender a população nas obras ¿ disse.

De acordo com a assessoria do ex-secretário de Finanças Luiz Carlos Afonso, a administração Marta Suplicy deixou contas liquidadas no valor de R$375 milhões. A liquidação, no entanto, significa apenas a garantia de que a dívida será quitada, sem a disponibilidade imediata do dinheiro.