Título: FRATURA EXPOSTA
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 06/01/2005, O País, p. 4

Há muito tempo não ficava tão exposta à opinião pública a fragilidade de nosso sistema partidário e a teia de interesses, se não subalternos, pelo menos pessoais, desligados de qualquer relação com programas ou projetos partidários, que orienta a ação de nossos parlamentares, sejam federais, estaduais ou municipais.

O grupo do senador baiano Antonio Carlos Magalhães, derrotado pelo PDT na eleição para prefeito de Salvador, uniu-se a um candidato independente e derrotou o novo governo na eleição para a presidência da Câmara. Mas, em Brasília, o mesmo grupo está apoiando o candidato oficial do PT, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, alegando que deve ser respeitado o princípio da proporcionalidade, que dá ao partido com maior bancada o direito de indicar o presidente.

O uso de dois pesos e duas medidas tem uma explicação óbvia: o adversário político do grupo, deputado José Carlos Aleluia, é o candidato do PFL contra Greenhalgh. O PSDB, que levou uma rasteira do PT na escolha do presidente da Câmara de Vereadores paulistana, teve como primeira reação a retaliação à candidatura oficial do PT em Brasília, mesmo que o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh pareça à maioria tucana melhor candidato do que os demais.

Mas agora prevalece dentro da equipe do novo prefeito José Serra a versão de que a direção nacional do PT foi ultrapassada pelo grupo da ex-prefeita Marta Suplicy nessa manobra. Por essa nova interpretação, moveu o grupo de Marta a idéia obsessiva de ¿blindar¿ ¿ com licença do Joaquim Ferreira dos Santos ¿ o seu futuro político. Dominando a Câmara, ficaria a salvo de eventuais CPIs.

Aceitar que o PT nacional não tem controle sobre as direções regionais é abrir um caminho para negociações com o governo federal para aliviar os problemas financeiros deixados pela administração petista. Um sinal de boa vontade do Ministério da Fazenda em relação às parcelas da dívida que a antiga administração não pagou pode colocar novamente no mesmo barco o PSDB e o PT na tentativa de aprovar o deputado Greenhalgh na presidência da Câmara.

E o governo vai precisar muito do apoio da oposição, pois aparentemente haverá defecções na base aliada se for mantida a candidatura Greenhalgh. O PTB já avisou ao próprio presidente Lula que não aceita o candidato oficial do PT, o PP apresentou até mesmo um candidato próprio, e o PL está fazendo campanha pelo candidato dissidente petista Virgílio Guimarães.

E por que toda essa movimentação contra Greenhalgh, além das já esperadas reações de grupos específicos como os ruralistas, que não gostam dele por ser um defensor dos sem-terra? Certamente não é por uma alegada antipatia. Na verdade, a imagem de seriedade com que Greenhalgh exerce seu mandato pela quarta vez faz com que o ¿baixo clero¿ preveja dias difíceis com ele na presidência da Câmara.

O que temem é o fim dos pequenos favores, das mordomias. E as candidaturas mais palatáveis pelo plenário da Câmara são as dos deputados que, na definição do líder do PFL José Carlos Aleluia, são ¿animais do plenário¿, que conhecem os labirintos da Casa e os atalhos para chegar ao coração de seus pares. O deputado João Paulo Cunha mostrou-se um verdadeiro ¿animal do plenário¿, e presidiu assim a Câmara. Na impossibilidade de ser reeleito, apóia Virgilio Guimarães, que parece ser o petista preferido da maioria.

Não é improvável que o governo acabe se rendendo a essa realidade e aceite apresentá-lo como candidato oficial. Mas o presidente do PT, José Genoino, acha que se o candidato avulso predomina, desorganiza a vida dos partidos no Congresso. E ele está trabalhando com as direções partidárias para firmar acordos políticos, e não com grupos dentro dos partidos: ¿O PT tem uma história de fortalecer partidos, e acho que tínhamos que dar o exemplo. Quando a disputa política desorganiza os partidos, isso não é bom¿.

O presidente do PT tem razão, mas se esquece de que foi o seu partido que começou a desorganizar o sistema quando, para formar a base majoritária no Congresso, estimulou um troca-troca desenfreado de partidos, desidratando os partidos de oposição e inflando até os pequenos partidos da base aliada.

O PT, que, como se sabe, não se mistura, elegeu 91 deputados federais e hoje tem 90, porque expulsou de suas fileiras alguns infiéis e aceitou umas poucas adesões.

O PFL elegeu 84 deputados federais e hoje está com 61. O PSDB, que durante os oito anos do governo de Fernando Henrique foi o maior partido do Congresso, foi desmontado na oposição: elegeu 70 deputados federais e hoje tem uma bancada de 50, menos que um partido da base governista, o PP com 55 deputados (elegeu 49).

O PTB foi o mais usado pelo PT como ¿partido de aluguel¿ para as manobras de esvaziamento da oposição e ampliação da base política do governo. O PTB, que elegeu 26 deputados, hoje tem 49. O PMDB, que elegeu 75 deputados, hoje conta com 77. Outro partido que ampliou suas bases às custas do governo foi o PL, que teve sua bancada aumentada em nada menos que 22 deputados desde a eleição em 2002.

Voltando a Genoino, ele acha ¿muito difícil¿ o PT alterar uma decisão da bancada ou aceitar que o candidato avulso se torne o candidato oficial: ¿Isso seria uma mudança muito brusca no PT¿, avalia. O presidente do PT continua insistindo na tese de que é preciso fazer uma reforma política porque ¿nosso sistema partidário está saturado¿. Ele garante que os partidos da base aliada, especialmente PTB, PP e PL, não vetam a discussão: ¿Temos que fazer um acordo, depende de como conversar, para ver qual é o parâmetro de uma reforma política, que acho fundamental para a eleição de 2006¿. Genoino quer apressar essa reforma política porque teme nessas negociações com a base aliada ¿passar por situações antes inimagináveis no PT¿.