Título: À ESPERA DE MUDANÇAS NO COMÉRCIO
Autor: José Alfredo Graça
Fonte: O Globo, 06/01/2005, Opinião, p. 7

Existe hoje um virtual consenso entre os países europeus, já refletido no discurso da União Européia sob a presidência de José Manuel Durão Barroso, de que o comércio mais livre de bens tende a beneficiar não apenas ¿ e sobretudo ¿ os países asiáticos, mas também os países latino-americanos, e finalmente até os Estados Unidos, ainda com vantagens comparativas e competitivas em alguns segmentos agrícolas e industriais.

Por conta dessa percepção, que se traduz em chamamentos em prol do fair trade ou da necessidade de exercer mais ¿controles sobre a globalização¿, preconizam um sistema multilateral de comércio, que, sendo universal, incorpore ou pelo menos condescenda com os elementos de restrição e discriminação contidos em suas políticas, práticas e medidas.

A União Européia, cujos membros mais nucleares dependem cada vez mais do comércio exterior para crescer e manter os altos padrões de vida de suas sociedades, não está podendo prescindir dos mercados globais para assegurar renda e emprego sem incorrer em déficits fiscais que ameaçam causar desequilíbrios internos. Ao mesmo tempo, precisa da parceria extrazona para suprir-se das matérias-primas que não produz, bem como dos capitais e da tecnologia indispensáveis para modernizar sua indústria e atender a uma demanda crescentemente exigente.

A conjuntura internacional vem favorecendo uma estratégia que privilegia a estabilidade com a manutenção de certos subsídios, o aumento do nível de poupança doméstica e um crescimento baixo mas sem inflação. E a moeda forte ajuda de forma significativa a atrair investimentos, conter os preços e até expandir as importações. (Em 2004, enquanto as exportações brasileiras para os EUA aumentaram apenas 16%, as que se destinaram à UE tiveram um salto de quase 33%).

Como o euro valorizado não incomoda os EUA, cujo déficit em transações correntes segue sendo financiado com folga pelos seus principais parceiros, com destaque para a República Popular da China e, inevitavelmente, pela própria Europa, não é improvável que o statu quo se mantenha por 2005, com ganhos diferenciados mas generalizados. Até porque, do ponto de vista das negociações de acordos comerciais, de caráter multilateral ou preferencial, dificilmente haverá avanços expressivos antes do outono boreal, e isso na suposição de que a ¿Trade Promotion Authority¿ venha a ser renovada, em junho, pelo Congresso americano.

Ocorre, entretanto, que, tampouco entre os americanos, há, mercê das pressões de lobbies agrícolas e, em bem menor medida, alguns industriais, um sentimento de que a redução de tarifas altas e a eliminação total de restrições quantitativas proporcionem vantagens, sem ¿efeitos colaterais¿, para o conjunto da sociedade.

Assim sendo, os setores produtivos menos competitivos ou sem vantagem comparativa se fortalecem e os próprios governos não se sentem estimulados a proceder a reformas que, embora tenham custo político, certamente não deixam de contribuir, e de forma decisiva, para atingir o objetivo de crescimento com melhor distribuição da renda. Especialmente nos países onde o crédito tiver de continuar escasso, as camadas de baixa renda teriam a ganhar com uma redução dos preços para bens de consumo, e a própria indústria se beneficiaria, pela via da redução de custos, de uma desoneração das importações. Um ambiente macroeconômico favorável aos investimentos sempre terá um efeito positivo sobre a recuperação da poupança interna. De resto, a criação de melhores condições de concorrência, sob regras destinadas a coibir falhas de mercado, facilita a construção de uma sociedade mais coesa e mais justa.

JOSÉ ALFREDO GRAÇA LIMA é chefe da missão do Brasil junto à União Européia.