Título: A BRIGA PELO VOTO PALESTINO
Autor: Renata Malkes
Fonte: O Globo, 06/01/2005, O Mundo, p. 24

Diante do desafio de radicais, Abbas deve ser escolhido domingo para suceder Arafat

Atrês dias das eleições que vão apontar o sucessor de Yasser Arafat na presidência da Autoridade Nacional Palestina (ANP), esquenta a corrida pelo voto nos territórios palestinos. Apesar de o candidato do partido Fatah, Mahmoud Abbas, conhecido como Abu Mazen, liderar as pesquisas com mais de 66% de apoio popular, partidários trabalham duro no corpo-a-corpo para assegurar cada voto e dar legitimidade à esperada vitória. Mas Abbas enfrenta ainda o desafio de grupos radicais, que ontem dispararam foguetes contra uma base israelense, ferindo 12 soldados ¿ num claro desafio a seu pedido de cessar-fogo e num indício de que podem dificultar um futuro mandato.

Nas ruas, cabos eleitorais fazem de tudo para levar a população às urnas no domingo, num clima festivo com carros de som e distribuição de santinhos, bonés e camisetas.

¿ Desde 1996, os palestinos não tinham a oportunidade de eleger seus líderes e, mesmo abatidos pela morte do mito Arafat, a maioria está com sede de participar. Mas muitos têm medo de votar. Sabem que isso traz conseqüências, como o pagamento de impostos. Milhares se inscreveram para votar, mas isso não significa que comparecerão às urnas. Esses indecisos estão na mira dos cabos eleitorais ¿ disse ao GLOBO Roni Shaked, correspondente do jornal israelense ¿Yediot Aharonot¿ nos territórios palestinos.

Na luta pelo voto, Abbas endureceu seu discurso nos últimos dias. Considerado moderado, ele surpreendeu na última terça-feira ao chamar Israel de ¿inimigo sionista¿. A declaração veio após tanques israelenses matarem 20 palestinos, sete deles jovens entre 11 e 17 anos, e foi vista por analistas como uma forma de responder às expectativas dos palestinos.

Se eleito, Abbas terá pela frente o desafio não só de ressuscitar as negociações de paz com Israel, como de conter os grupos radicais que têm ignorado seus pedidos de cessar-fogo. Ontem, foguetes atingiram a base do Exército israelense de Nahal Oz, ferindo 12 soldados, numa retaliação à morte dos jovens na véspera. Segundo o Hamas, o pedido de trégua de Abbas ¿choca o povo palestino e contradiz o consenso¿.

Urnas transparentes para passar por soldados

São 2.882 urnas em 1.072 zonas eleitorais em Cisjordânia e Faixa de Gaza. Elas são transparentes para evitar fraudes e facilitar a passagem pelos postos de controle israelenses. O pleito será monitorado por 500 observadores internacionais liderados pelo ex-presidente americano Jimmy Carter. Em Jerusalém Oriental, seis mil eleitores são esperados nas seções em agências do correio, sob a inspeção da polícia israelense.

¿ Quero votar e me alistei, mas não creio que meu voto vá mudar algo. Não conheço os outros candidatos e como tenho uma grande admiração pela resistência de Arafat, meu voto vai para Abbas ¿ afirma o ambulante Ualid M., em Jerusalém.

A decisão de permitir o pleito na cidade sagrada veio após uma série de reuniões entre representantes do governo israelense e do negociador palestino Saeb Erekat. Apesar do acordo, os árabes que vivem na parte oriental da cidade, disputada por israelenses e palestinos, demonstram indecisão e descrença no processo democrático.

¿ Eu me inscrevi mas decidi não comparecer. Por morar em Jerusalém, tenho medo de represálias por parte do governo ou da polícia israelenses. Eles podem se vingar e parar de pagar minha previdência social ¿ confidenciou um vendedor de frutas.

Para analistas, a escolha do sucessor de Arafat é o vestibular da democracia palestina. De acordo com o veterano jornalista israelense Uri Avnery, velho amigo de Arafat, o índice de participação vai ser alto. Ele afirma que o grande índice de comparecimento às urnas registrados na semana passada nas eleições municipais mostra que os palestinos estão interessados e politizados.

¿ Cerca de 80% do eleitorado compareceram e mostraram que há uma atmosfera de mudança. O Hamas venceu a corrida pela prefeitura em 18 dos 26 municípios. Mas para quem teme seu possível fortalecimento, posso garantir que são apenas números. O que importa não é quantos prefeitos o Hamas vai ter, mas quantos membros de outros partidos estarão nos gabinetes municipais. E nisso, o Fatah ganha com 58% contra apenas 25% do Hamas. Abbas só não pode esquecer que eleições são apenas um caminho para a democracia, e não a democracia em si. A prova de fogo é assegurar um governo democrático após a vitória ¿ adverte Avnery.