Título: EM NOME DOS POBRES
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Fonte: O Globo, 07/01/2005, Opinião, p. 7

Em São Paulo e no Rio Grande do Sul metade dos presos trabalha; no Rio de Janeiro apenas 7%. São dados oficiais. Qual a razão de tamanha diferença? O trabalho nas penitenciárias permite qualificação profissional, garante renda, viabiliza vínculos com a família, diminui a superlotação do sistema, pois há redução de um dia de pena por três dias de trabalho; o interno ajuda a custear suas ¿férias¿ compulsórias e tem menos tempo para corromper e comandar o tráfico lá de dentro.

A reincidência no crime diminui, pois ele sai com uma poupança que permite comprar um carrinho de pipoca. No Rio Grande do Sul há penitenciárias pequenas e médias no interior, com trabalho agroindustrial, o tráfico não domina e o governo paga os salários. No Rio há grandes presídios, e ao contrário do que dispõe nossa lei 3.401/2000, há poucos equipamentos como carpintarias e máquinas de costura, e raras encomendas para serviços de consertos de armários, costura de fardas; o tráfico comanda e proíbe o trabalho.

Parte substancial dos detentos que trabalharam não recebeu; o governo reconhece uma dívida de 10 milhões, caracterizando situação análoga ao trabalho escravo. O contribuinte do Rio paga 780 reais mensais por preso, com elevada reincidência no crime, que chega ao dobro da verificada em outros estados.

Lançamos um apelo para que empresas privadas, públicas e prefeituras utilizem o trabalho de detentos, que além de contribuir para diminuir a violência, reduz custos. A Petrobras se interessou, assim como vários prefeitos recém-eleitos. Todos devem fazer sua parte, cortando cada fio desta rede que nos asfixia.

Em todas as regiões metropolitanas existem favelas, tráfico e violência. Mas em nenhuma há tantas zonas controladas pelo poder econômico e militar dos traficantes, com toque de queda, lei do silêncio, domínio despótico sobre as associações de moradores e prática de assassinatos sistemáticos de policiais, como no Rio.

Além da pobreza, exclusão, falta de programas habitacionais populares, custo elevado dos transportes, geografia das encostas, há uma grande omissão que acentua o problema. Combatendo a favelização em áreas de conservação ambiental, enfrentamos a conivência generalizada. No parque estadual da Pedra Branca as favelas sobem por Bangu, Realengo e Jacarepaguá, e com mansões ilegais, pedreiras, gado e queimadas destruíram 20% da cobertura vegetal.

O tráfico inibe a fiscalização e políticos populistas distribuem material de construção às vésperas de eleições. Na Área de Proteção Ambiental São José, em Santa Teresa, uma favela surgiu de um loteamento feito pelo próprio traficante. Quando agimos junto com a Secretaria Municipal de Urbanismo e o Core, da Polícia Civil, um vereador se interpôs, de bíblia nas mãos, pois o traficante esperto permitiu a construção de uma igreja, cimentando uma aliança para a agonia de um bairro lindo, área de turismo e artes, acossado por tiroteios sem fim.

Na área de proteção de Massambaba, em Arraial do Cabo, a favelização das dunas é promovida por políticos que recrutam moradores da Baixada Fluminense e distribuem kits-invasão.

Depois as prefeituras emitem IPTU, a companhia de energia liga a luz e os cartórios registram lotes dentro de áreas protegidas. Quando atuamos, derrubando cercas e construções, com o Ibama, a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente e o Batalhão Florestal, cabos eleitorais e traficantes nos acusaram de inimigos dos pobres. A degradação de dunas, restingas, a invasão da faixa de proteção da lagoa de Araruama implicam a decadência da pesca, do turismo e do emprego, e destroem um raro ecossistema.

Na área de proteção Jacarandá, em Teresópolis, seis favelas avançam em direção às fontes de abastecimento de água da cidade. Em nossas incursões com a fiscalização e as TVs, os ocupantes mostraram papéis ilegais com a assinatura do prefeito, permitindo a construção em áreas protetoras de mananciais. O Ministério Público e a Justiça devem punir e desmontar esta cadeia de cumplicidades.

Um soldado da PM no Rio ganha 800 reais. Em Minas Gerais recebe 1.200 reais, 50% a mais. Em Minas o sistema é de 12 horas trabalhadas por 24 horas de folga e o segundo emprego é coibido. No Rio o sistema é de 24 horas por 36 ou 48 horas. Neste período 90% da tropa fazem o ¿bico¿ na segurança privada, em que os PMs trabalham mais, ganham mais e na qual se verificam 80% das mortes de policiais.

Conclusão: o verdadeiro ¿bico¿ é a própria PM, que não garante qualificação e salários dignos, e via ¿arrocho¿ compromete a vida no estresse da segurança privada ilegal, sem proteção. A investigação policial é fraquíssima, 75% das impressões digitais não estão informatizados, o programa de proteção às testemunhas foi abandonado, a limpeza da polícia é insuficiente e pendular.

Mudar este quadro exige planejamento, determinação e recursos. Os bancos, que lucraram bilhões, poderiam financiar um fundo especial para a segurança pública, com rígido controle externo de gastos, para melhorar salários, equipar e qualificar a polícia e criar bases físicas para a necessária integração das ações públicas.

Quando a violência nos ataca na esquina, ou invade nossos lares, o desespero e a raiva impedem qualquer raciocínio ou ação. É preciso enfrentá-la, caso contrário vai nos devorar.

CARLOS MINC é deputado estadual (PT- RJ).