Título: PARA O PAÍS, FIM DAS COTAS VIRA BOM NEGÓCIO
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Fonte: O Globo, 07/01/2005, Economia, p. 21

A indústria brasileira deve passar ao largo da mudança no comércio mundial mais esperada ¿ ou temida ¿ por países pobres e ricos. Desde o último dia 1º, Estados Unidos, União Européia (UE), Canadá e Noruega aboliram suas cotas à importação de tecidos e vestuários, conforme acertado há dez anos na Organização Mundial do Comércio (OMC). Na prática, o mercado mundial para o setor foi liberalizado quase por completo, após décadas de protecionismo. Enquanto os países mais pobres temem ver suas vendas às nações ricas serem canibalizadas pelos têxteis baratos de Índia e China, o Brasil aposta em nichos de mercado mais exigentes para driblar a concorrência.

¿ Somos o segundo maior produtor mundial de tecidos para jeans e o terceiro maior de malhas. O Brasil é conhecido pela moda praia e moda íntima e somos grandes exportadores de cama, mesa e banho. São produtos de maior valor agregado ¿ diz Domingos Mosca, diretor da Área Internacional da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

Cotas impediram venda de 40 milhões de toneladas

A estratégia de dar prioridade a peças mais elaboradas está sendo trilhada pela Teka há três anos. De olho no fim das cotas, a empresa catarinense se preparou acrescentando design e gramatura diferenciados a seus produtos. Recentemente, fechou contrato para produzir com exclusividade na América Latina peças de cama, banho e praia com a marca da Copa 2006. Hoje, das cerca de 1.600 toneladas por mês produzidas pela Teka, 40% vão para o mercado externo.

¿ Queremos competir sem ser via preço. O Brasil não concorre mais nas commodities dos têxteis, que são os itens baratos, de menor valor agregado. O fim das cotas é mais uma oportunidade do que uma ameaça ¿ afirma o diretor de Exportações da Teka, Almir Biegin.

Ele acrescenta que, em 2004, o Brasil tinha capacidade para exportar 90 milhões de peças aos EUA, mas a cota americana à indústria brasileira segurou as vendas em 50 milhões. No caso da UE, outro grande mercado para os têxteis brasileiros, um acordo eliminou as cotas ao Brasil desde 2002.

Com a abertura do mercado de têxteis, a Abit está monitorando a entrada de importados no Brasil. O país nunca impôs cotas aos principais produtores, mas há o temor de que, com o esperado avanço de China e Índia nos mercados americano e europeu, acabem vindo peças desses países também para cá.

¿ O Brasil hoje importa filamentos e tecidos sintéticos da China e está começando a comprar camisas de preços mais baixos. Mas, até agora, não há sinais de que o fim das cotas tenha afetado esse fluxo. Vamos acompanhar e, se houver invasão de produtos chineses, podemos acionar as salvaguardas previstas ¿ explica Mosca.

Mais de 90% do faturamento é no mercado interno

Quando a China entrou na OMC, aceitou como condição a possibilidade de sofrer salvaguardas em têxteis até 2009. A preocupação da Abit com o mercado interno se justifica: mais de 90% do faturamento da nossa indústria têxtil vêm das vendas no Brasil. Mas o presidente da Coteminas, Josué Gomes da Silva, não vê riscos:

¿ As empresas brasileiras são extremamente competitivas da porta para dentro. E se os chineses não vieram antes, não vejo por que viriam agora, que as cotas nos países ricos acabaram. O problema é em terceiros mercados. Se tivéssemos o tratamento tributário, os juros e o câmbio que Índia e China têm, não perderíamos deles nem no exterior.

Estimativas da OMC mostram que, com o fim das cotas, Índia e China devem abocanhar 38% do mercado europeu de vestuário e 65% do americano. Os produtores brasileiros de algodão afirmam que, se o aumento no comércio de têxteis levar a uma demanda maior por essa matéria-prima, o Brasil é um dos poucos países do mundo com capacidade para ampliar rapidamente, e com qualidade, plantio e colheita.

Jorge Maeda, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), explica que a alta do preço do petróleo, que encarece o poliéster, também pode ajudar a ampliar a demanda por fibras naturais. Hoje, no mercado internacional, o poliéster custa de US$1,50 a US$1,80 o quilo, contra US$1 do algodão.