Título: CUIDADOS
Autor:
Fonte: O Globo, 10/01/2005, OPINIÃO, p. 6
Querem fazer com o usuário de maconha o mesmo que fizeram com o alcoólatra dos tempos antigos?
Acordo com um chamado telefônico de uma mãe desesperada porque o filho foi encontrado na rua urinando e abençoando os transeuntes, dizendo-se Jesus. Foi a maconha. Vem ao consultório uma menina assustada por que bateu gravemente com o carro tentando fazer um looping nas paredes do túnel. Foi a maconha. Chegam aos montes, pacientes que ¿apenas usando a coitada da maconha¿ já não conseguem lembrar de abrir a agenda para lembrar do dia da prova. Desistem dos estudos e hoje vivem à deriva da sociedade..
Não tenho nada contra quem usa drogas, mas tenho tudo a favor de quem quer parar de usar drogas. A mesma mídia que nos apóia, trazendo pessoas para o tratamento, é a que desmonta meses de atendimento. Agora, vem esta fala hipócrita de uma ala da sociedade minimizando os efeitos de uma droga em detrimento da outra. Isso é tudo que um usuário que está sofrendo para parar de sofrer com o uso, precisa para se manter sofrendo e usando a droga!
A divulgação do projeto de redução de danos precisa ser mais cuidadosa! É necessário que se leve em conta a ignorância, o desconhecimento que uma grande fatia da sociedade tem em relação ao assunto. Reduzir significa diminuir, restringir. Reduzir danos não pode ser trocar drogas ilícitas por drogas ilícitas. Esta fala solta, dá margem a equívocos!
Os jovens que estão iniciando o uso podem se aproveitar desta fala para achar que usar uma determinada droga é menos maléfico, e os que ainda não usaram podem querer achar que está tudo bem se usar tal droga.
Substituir significa tirar para pôr outro. Quero acreditar que quando se falou em substituir, foi em relação à seringa, que ao ser substituída reduz a possibilidade de outras doenças serem instaladas. ¿Reduzir¿ foi em relação ao uso da droga.
Quero crer que o que se quis dizer é que, embora a meta seja a abstinência, isto é parar, reconhece-se que no caso de usuários que usam várias drogas inclusive as injetáveis, a idéia é que parem uma por vez. O mesmo pode ocorrer quando se fala em descriminar (absolver de crime) e discriminar (separar). Já temos o recurso da justiça terapêutica que descrimina, sem isentar da responsabilidade pelo uso ilícito (quando transgride devido ao uso abusivo de droga lícita, o álcool) ou pela ilicitude da droga (usando droga proibida por lei) oferecendo entre outros a opção, pelo tratamento.