Título: O FLAGELO É A FOME TRIBUTÁRIA
Autor: Jorge Bornhausen
Fonte: O Globo, 10/01/2005, OPINIÃO, p. 7

Exuberância irracional, triunfalismo exagerado, volúpia de marketing, transformações cosméticas. O governo federal comemorou a enxurrada de boas notícias de sua política econômica sob fogo cerrado de adversários, ceticismo de especialistas, e desconfiança entre os próprios aliados. O Brasil se dividiu, em que pese a robustez dos indicadores alcançados. Porém, em meio ao tiroteio verbal, não há como negar que a expansão prevista em torno de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2004 é um alento para o futuro.

Essa situação devolveu o país à trilha do crescimento, é verdade, e foi sustentada através das políticas financeiras e exportadoras emanadas pelo governo anterior. Dessa maneira, manteve a inflação sob controle, estabeleceu maior saldo comercial e menor endividamento público. Tal austeridade fiscal e monetária permitiu que o risco Brasil atingisse o menor nível dos últimos sete anos (402 pontos); o desemprego interrompesse a trajetória ascendente, e a indústria expandisse cerca de 7% no terceiro semestre. Apesar desse cenário auspicioso e voluntarioso, indaga-se se esse desempenho representa a consolidação do crescimento sustentado ou seria apenas mais uma bolha efêmera.

O país saneou-se, é verdade, e tem nas mãos uma oportunidade de ouro para virar o jogo e sepultar o imobilismo que o atormentou na última década. Há, no entanto, algumas etapas a serem cumpridas para consolidar esse estado de euforia. O economista Yoshiaki Nakano, da FGV, declarou que o governo está comemorando a política econômica de curto prazo, mas se não olhar lá na frente pára de crescer. É exatamente neste ponto que reside o pomo de discórdia e torna turva a caminhada rumo ao futuro. Dessa forma, como o Brasil construirá um ambiente econômico competitivo necessário à retomada definitiva do crescimento?

Se a busca da estabilidade e da sustentabilidade é o nome do jogo, os bons resultados só serão mantidos em 2005 se o governo federal resolver alguns entraves estruturais e promover mudanças que ameaçam esse tão decantado ¿mar de rosas¿. Entre eles, é imperativo que o Poder Executivo defina o papel das agências reguladoras para seduzir o capital estrangeiro, tão vital e necessário para atrair o investimento no setor de infra-estrutura; além, é óbvio, da aceleração das reformas tributária, trabalhista e previdenciária.

Em meio a esse mosaico de gargalos, o desafio supremo é equacionar o desequilíbrio fiscal que emperra a expansão nacional. A carga tributária tem níveis insuportáveis de distorções, ao atingir cerca de 36% do PIB. Impressionam a quantidade e a voracidade dos mais de 50 impostos, taxas e contribuições diversas, que existem para bancar o excesso de gasto do Estado, e que retornam ao cidadão através de juros. Portanto, impossível não apoiar as transformações que eliminam os impostos em cascata, desoneram os custos do setor produtivo, barateiam a atividade dos exportadores, geram postos de trabalho e distribuem renda.

A reforma tributária deve ser racional num cenário em que a simplicidade é ponto-chave. As negociações, no entanto, esbarram no instante em que a engenharia política invade a demarcação da engenharia econômica. Por mais que essas duas instâncias sejam interdependentes e se sobreponham em algum momento, uma ocupa o espaço e emperra o avanço da outra. A busca dessa estabilidade passa necessariamente pela agenda do consenso.

O futuro vai exigir profundos ajustes na condução política em Brasília. Vale salientar que a expansão do PIB se deu em cima de uma base deprimida e ficará abaixo da média global, independentemente dos reflexos domésticos positivos. É prudente, porém, não se curvar por esses fatos e conter a euforia. Para 2005, os analistas prevêem um cenário econômico mais contido, puxado pela desaceleração dos Estados Unidos, do Japão e da China. É possível então que a conjuntura mais movediça impeça esse vôo em céu de brigadeiro. Assim, cabe ao governo promover as reformas estruturais necessárias para de fato inaugurar uma fase de desenvolvimento contínuo e sustentado. Só assim teremos motivos para acreditar que tudo isso não passou de miragem.