Título: Muito papo e culinária estatística
Autor: Jorge Bornhausen
Fonte: O Globo, 10/01/2005, OPINIÃO, p. 7

Crescer num ano de diástole planetária até que não faz má figura, especialmente na mídia. De fato, os 5%, pouco mais ou pouco menos, que o Produto Interno Bruto do Brasil crescerá no segundo ano de governo Lula vai acabar encostado na média do crescimento do PIB mundial. Em estatística simplificada, isso quer dizer que metade da produção mundial estará localizada em região do globo com melhor desempenho do que o Brasil. A maioria dos ¿emergentes¿ está nesse grupo: Venezuela (mais 15,8%), Turquia (+ 13,4%), China (+9,1%) etc.

Estatísticas, aliás, é que não faltam para comprovar quase qualquer coisa. Somando, por exemplo, o parvo crescimento do Brasil no ano passado (0,5%) ao deste ano, o desenvolvimento médio do primeiro biênio lulista talvez não chegue aos 3% por ano. Incapaz, portanto, de recompor a renda salarial do brasileiro com um ¿choque de empregos¿, tal como precisaria este país de jovens adultos ¿ cerca de 18 milhões, só na faixa de 20 a 24 anos ¿ que seguem à cata do primeiro emprego, prometido pelo atual poder federal.

Se alguma coisa melhorou foi o desempenho externo da economia. Nossas exportações acumulam este ano quase US$100 bilhões em vendas para o mundo.

Mas o mérito desse resultado não dependeu do governo e, sim, da bravura do produtor nacional. Em 2005, lamentavelmente, pode ser bem diferente. Se a balança comercial passou dos US$30 bilhões, derrubando momentaneamente o tal risco-Brasil, o crédito disso vai também para o consumidor doméstico que amargou importações magras, cuja tendência tende a reverter-se agora. E para onde foram essas economias de divisas? Certamente, não para as reservas brasileiras, que seguem tão baixas quanto estavam ao inicio do ano. Assim, continuamos o namoro ¿eterno¿ com o Fundo Monetário Internacional.

As contas fiscais melhoraram. Quais? Nunca se gastou tanto no setor público como este ano. Num período em que a produção, que sustenta o governo, cresceu 5%, o governo, que se sustenta na produção, avançou muito mais. O gasto da máquina federal como proporção do PIB saltou de 16,3% para 17,7% em 2004. O superávit primário foi alcançado, cobrindo a gastança, por uma razão: a tributação sobre o lombo do trabalhador e do empresário nacionais galopou mais ainda, empurrando a carga tributária a quase 38% PIB.

A Cofins saltou quase 50% na arrecadação deste ano, sem que ninguém pudesse protestar mais alto. E a reforma tributária não sai porque a maioria governista do Congresso tem de se concentrar nas medidas provisórias que se acumulam na pauta de votação.

Preocupo-me, sobretudo, com a permanente vulnerabilidade dos que vivem de salários, sobretudo na área informal. Faz falta uma reforma trabalhista inteligente e modernizadora, algo que o notável ministro Berzoini descartou, alegando ¿falta de oportunidade neste momento¿ (?!).

Segundo os economistas, quando o câmbio se aprecia, como tem se valorizado o real frente ao dólar (aliás, perigosamente), é de se esperar a recuperação do poder de compra dos salários e o aumento da remuneração média. Os dados de 2004 desmentem isso. O salário médio no governo petista estagnou.

Gosto de acompanhar um indicador muito significativo: o consumo interno de cimento. Além do aumento dos investimentos empresariais, o índice em alta mostra a expansão do chamado consumo ¿formiguinha¿, da turma que constrói para si mesma, com esforço de fim-de-semana e apoio da vizinhança. Esse é o Brasil exuberante e próspero, que há tempos não vemos. Nem vimos este ano. Em 2004, o consumo de cimento teve alta de apenas 1%, depois da queda fragorosa de 2003 (menos 11%) e da relativa estagnação em que já vinha de anos anteriores.

Por isso, quando veio a comemoração antecipada do governo, mal terminado o primeiro tempo do jogo, de que a vitória ¿está no papo¿, acho mesmo que tudo não passa de papo e muita culinária estatística para tentar dourar o frango magro na panela de Natal do brasileiro. Não é com conversa, nem com crenças de cristão-novo, que ficaremos mais fortes.

Nem tampouco, como quer o ministro José Dirceu, novo coroinha do mercado financeiro de Nova York, é bastante que o risco-Brasil caia abaixo de 200 pontos em 2005. Só para lembrar: em 1997, o risco-Brasil estava em 373 pontos de spread. Veio a crise asiática. Em 1998, o país tinha reservas de US$70,2 bilhões. A Rússia quebrou e levou as reservas do Brasil embora. Em dezembro, teve início o guarda-chuva do FMI. Está chovendo até hoje.

O Brasil precisa mudar. Sem oba-oba estatístico. Sem micaretas de cantar vitória antes do tempo.