Título: Acusados também podem ser grileiros
Autor: Bernardo de La Peña
Fonte: O Globo, 10/01/2005, O PAÍS, p. 8

Duplo crime é constatado pelo Incra

BRASÍLIA. A maioria dos produtores rurais que exploram o trabalho escravo no Brasil pode estar cometendo um duplo crime. Não bastasse o uso deste tipo de mão-de-obra, esses fazendeiros podem ser grileiros de terras públicas, ou seja, apropriam-se de áreas que pertencem a municípios, estados e à União. Um levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) revela que, de 101 imóveis rurais que constam da primeira e da segunda ¿listas sujas¿ do Ministério do Trabalho por terem sido flagrados com trabalho escravo, 64 deles não estão registrados no Cadastro de Imóveis Rurais do governo federal.

Para confirmar se esses escravocratas do século XXI são de fato grileiros, o Incra baixou portaria, no fim do ano, prevendo a análise da negociação das terras das propriedades incluídas nas ¿listas sujas¿. Esta avaliação envolve o estudo de todo o histórico da propriedade rural, de sua origem até os dias de hoje, num processo que pode durar até seis meses. Para o assessor jurídico do Ministério do Desenvolvimento Agrário, advogado Carlos Kaipper, que representa a pasta na Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) do governo, os indícios de que essas terras sem cadastros são griladas são fortes porque estão nas regiões que mais registram tal problema no país, como o Pará e o Maranhão.

¿ É o cúmulo do cúmulo, explorar trabalho escravo em terra pública ¿ disse Kaipper.

Se ficar confirmado que o proprietário escravocrata apropriou-se de terra da União, o Incra entrará na Justiça com ação de reintegração de posse. O dono não terá direito a indenização sobre a terra, mas receberá por benfeitorias. As 64 propriedades estão concentradas em apenas quatro estados, justamente onde mais é explorado o trabalho escravo. Mais da metade delas (34) está no Pará, estado campeão em exploração de mão-de-obra análoga à de escravo. Em seguida vêm Mato Grosso (16 áreas não cadastradas); o Maranhão (13) e Alagoas (1). O registro do imóvel rural no cadastro do governo é obrigatório por lei e por decreto presidencial. Este certificado é exigido em qualquer transação imobiliária da terra, desmembramento da área ou alteração na dimensão da fazenda.