Título: CONDENAÇÕES POR TRABALHO ESCRAVO SÃO POUCAS
Autor: Bernardo de La Peña
Fonte: O Globo, 10/01/2005, O PAÍS, p. 8

`Sabemos de duas nos últimos 10 anos¿, diz subprocuradora. Há pelo menos 202 processos na Justiça Federal

BRASÍLIA. A Procuradoria da República move pelo menos 202 processos criminais na Justiça Federal contra fazendeiros, agenciadores de trabalhadores rurais, conhecidos como gatos, e empresários acusados de manter trabalhadores escravos em todo o país. O número de processos, maior do que os 166 de infratores incluídos nas três ¿listas sujas¿ do trabalho escravo, feitas pelo Ministério do Trabalho a partir de operações de fiscalização, entretanto, não garante a punição.

¿ Sabemos de apenas duas condenações nos últimos dez anos, mas se houver alguma outra este número não passa de cinco ¿ afirma a subprocuradora-geral da República Ela Wiecko de Castilho.

Só entre denúncias apresentadas por procuradores da República entre março de 2003 e junho do ano passado são 39 processos, nos quais foram denunciadas 125 pessoas, 51 delas proprietárias das terras onde foram encontrados trabalhadores escravos. Além desses, outros 85 processos penais e pelo menos 87 inquéritos, que envolvem prisões e medidas cautelares, tramitam pela Justiça Federal nos 27 estados brasileiros.

Provar a culpa de proprietários é difícil

A subprocuradora atribui o pequeno número de condenações às dificuldades inerentes ao processo penal. A polêmica sobre de quem é a competência para julgar os casos, se da Justiça Federal ou da Justiça comum, também é apontada pelos especialistas como um problema. A jurisprudência, classificada como antiga pela subprocuradora, admite que os processos podem ser julgados pela Justiça comum.

¿ Na área penal, é necessário mostrar a consciência e a vontade do fazendeiro de tratar as pessoas como escravos. Isso é mais fácil em relação aos gerentes das fazendas, mas mais difícil quando se trata do dono. Já teve juiz que absolveu proprietários apesar de as pessoas estarem vivendo como porcos num barraquinho. Os donos da fazenda costumam alegar que as pessoas já viviam assim ¿ explica a subprocuradora. ¿ Eles acham que peão é peão. Pode dormir no chão, beber água suja e receber menos de um salário-mínimo.

Lentidão da Justiça pode causar prescrição do crime

A lentidão da Justiça muitas vezes pode provocar também a prescrição do crime. Para o chefe da Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, Luís Camargo, as ações criminais na Justiça são importantes por representar o fechamento do cerco aos proprietários de terras que exploram trabalhadores como escravos:

¿ Só duas coisas têm feito com que esses escravocratas modernos recuem: uma é a indenização por danos morais (determinada pela Justiça trabalhista), e a segunda é a lista do governo que faz com que seque o financiamento público para estes infratores ¿ afirma Luís Camargo.

Ele admite que a jurisprudência sobre o assunto é desfavorável.

¿ A Justiça Federal remete para a Justiça comum o julgamento dessas demandas. Isso é ruim porque a Justiça estadual é mais sujeita a pressões e injunções que acabam prejudicando os julgamentos.