Título: Um país de heranças malditas
Autor: Ismael Machado, Carolina Brígido e Sueli Cotta
Fonte: O Globo, 08/01/2005, O PAÍS, p. 2

Novos prefeitos encontram o caos e vereadores ainda tentam derrubar corte de vagas

Sueli Cotta

Éuma farra, sempre com o dinheiro público, de Norte a Sul do país. Uma semana depois da posse dos novos prefeitos e vereadores, os exemplos de descaso se multiplicam e, em alguns municípios, viram caso de polícia. Em Itinga, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, cidade escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o lançamento do programa Fome Zero, o novo prefeito, Charles Azevedo Ferraz (PT), está trabalhando sem luz e telefone, cortados por falta de pagamento. O prefeito encontrou a cidade abandonada, com lixo espalhado pelas ruas, a máquina administrativa parada e a ameaça de os 14 mil moradores ficarem sem água.

Não bastassem exemplos como este nas prefeituras, partidos políticos e candidatos derrotados de pelo menos 31 municípios tentam manter privilégios também nas câmaras de vereadores. Inconformados com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que ano passado determinou a extinção de quase nove mil cargos de vereador no país, os partidos entraram com ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no próprio STF para tentar derrubar a medida.

Vagas extintas ocupadas na marra

Em alguns casos, como em Sete Lagoas e Conselheiro Pena, ambos em Minas Gerais, os vereadores assumiram na marra vagas que tinham sido extintas, desafiando o Judiciário.

Até agora, todos os pedidos de liminar julgados foram negados pela presidente interina do Supremo, ministra Ellen Gracie Northfleet. Essas ações deverão ter o mérito julgado a partir de fevereiro, quando termina o recesso do Judiciário.

A maior parte das ações é de cidades paulistas. São 22 em tribunais superiores, entre elas as de municípios como Araçatuba, Atibaia, Diadema, Taquaritinga, Sertãozinho e São José dos Campos. De outros estados, existem pedidos de Itumbiara (GO), Osório (RS), Lagedo (PE) e Petrolina (PE). Além de São Paulo, existem outras duas ações propostas por partidos e candidatos derrotados em capitais: Florianópolis (SC) e Porto Velho (RO).

Além desses pedidos de liminar, chegaram ao Supremo ao longo dos últimos meses ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pelos principais partidos contestando a validade da decisão do STF que reduziu o número de vereadores. O assunto ainda não foi examinado pelo plenário.

Em Belém, sucessor se queixa de petista

Em Belém, o caos administrativo que teria sido deixado pelo ex-prefeito Edmilson Rodrigues (PT) foi parar na polícia. Mas depois de o novo prefeito, Duciomar Costa (PTB), denunciar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva as irregularidades que diz ter encontrado ¿ além do sumiço de obras de arte e computadores da prefeitura ¿ os quadros reapareceram anteontem no Museu de Arte de Belém, sem muita explicação.

São dois quadros a óleo que fazem parte do acervo do museu. O caso foi parar na Delegacia de Investigação e Operações Especiais, que decidiu fazer um levantamento completo sobre o patrimônio municipal em todas as secretarias e fundações.

¿ É uma história mal explicada e que precisa ser mais bem investigada ¿ diz o delegado Waldir Freire.

Além dos quadros, a polícia recebeu a denúncia de que pelo menos dois computadores do Instituto de Patrimônio Histórico de Belém estavam prontos para serem roubados. Um guarda municipal percebeu que uma das janelas do segundo piso do prédio estava aberta. Ao verificar, ele encontrou dois computadores embalados.

A partir dessas duas denúncias, a delegacia iniciou o levantamento sobre o patrimônio municipal. Na Companhia de Transportes de Belém, por exemplo, foi encontrado um ônibus que era utilizado como biblioteca totalmente depenado.

Além disso, há denúncias de que discos rígidos foram retirados dos computadores de grande parte das secretarias municipais.

A situação de Belém é semelhante à encontrada por outros novos prefeitos no interior do Pará. Em Canaã dos Carajás, o ex-prefeito Anuar Alves da Silva (PSDB) saiu da cidade levando computadores e um gerador e lençóis do hospital municipal. Além disso, ainda teria embolsado cerca de R$6 milhões que seriam usados no pagamento de funcionários e fornecedores da prefeitura.

Em Santarém, prefeitura saqueada

Em Santarém, a prefeita Maria do Carmo Martins (PT) também encontrou a prefeitura saqueada. Em alguns prédios, até armários foram levados. A maioria dos computadores teve as memórias e os processadores retirados antes que a nova administração assumisse. Os discos foram formatados para que ninguém pudesse ler os documentos.

Já em Aveiro, oeste do Pará, o ex-prefeito Adalberto Viana da Silva (PSDB), o Cabano, sumiu da cidade logo após saber de sua derrota na eleição, deixando seis meses de salários atrasados. O ex-prefeito levou até as chaves da prefeitura, que precisou ser arrombada.