Título: O TESOURO EM ARTE SACRA GUARDADO NA BAIXADA
Autor:
Fonte: O Globo, 09/01/2005, RIO, p. 20

Levantamento do patrimônio das igrejas registra 120 imagens que se salvaram do roubo, da venda e da destruição

ma exposição realizada em 2001 na Casa França-Brasil, depois que foi realizado o inventário do acervo das igrejas e capelas da Baixada Fluminense

A Baixada Fluminense tem igrejas ou pequenas capelas que guardam um tesouro de arte sacra pouco conhecido em seus próprios municípios e no restante do país. São cerca de 120 imagens sacras dos séculos XVI e XVII e XVIII, da época em que o local ainda era conhecido como Recôncavo da Guanabara, que se salvaram das mãos de bandidos e são guardadas em locais não divulgados.

Hoje, calcula-se que a Baixada Fluminense tenha perdido, nos últimos 30 anos, de suas igrejas e capelas, mais de 200 imagens sacras. Além da ação dos bandidos e dos receptadores, a própria Igreja estimulou na década de 60 a venda dessas peças. Um patrimônio perdido, assim como muitas das capelas da região, de rara beleza, que se transformaram em ruínas por causa do descaso e do esquecimento das autoridades.

Com o Concílio Vaticano II, em 1962, a Igreja Católica resolveu concentrar todo o seu trabalho de evangelização na figura de Jesus Cristo. Foi recomendado que as imagens dos outros santos, novas ou antigas, fossem retiradas dos seus altares. Assim, mesmo que involuntariamente, os religiosos acabaram por contribuir para o desaparecimento desse precioso acervo.

Peças foram vendidas legalmente

O diretor-geral do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), Marcus Monteiro, profundo conhecedor do assunto, principalmente no que se refere à arte sacra da Baixada Fluminense, explicou que por causa do concílio grande parte da arte sacra de municípios como Nova Iguaçu, Caxias e Magé foi vendida legalmente:

¿ Foi uma pena, mas isso aconteceu. Agora nós estamos tentando salvar o que restou e evitando a ação de marginais.

O resgate de obras sacras está sendo feito de uma maneira tão séria que os padres sequer gostam de contar onde as obras estão. Em Nova Iguaçu, por exemplo, 12 imagens foram levadas para um local seguro e estão em vias de serem recuperadas e restauradas. O medo é um só: de que os locais sejam invadidos por bandidos, como aconteceu em pequenas igrejas e capelas desprotegidas e que tiveram suas obras furtadas.

As imagens barrocas de Nossa Senhora dos Mares, Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu, de Santo Antonio do Jacutinga, de São João Batista de Trairaponga, de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim e tantas outras, de rara beleza, só existem graças aos cuidados de párocos e de admiradores. E para saber direito o que ainda resta da arte sacra da Baixada, na época do ciclo do ouro, em que a região era próspera e seus rios navegáveis, um levantamento foi feito em 2000. Descobriu-se imagens feitas em barro da região e de madeira dourada dentro até de banheiros de igrejas. Graças a uma exposição feita na Casa França-Brasil, no Centro do Rio, em 2001, parte das imagens existentes ganhou um olhar mais carinhoso. A exposição só aconteceu por causa do inventário. E essa exposição está rendendo frutos até hoje.

Duas imagens estão expostas em Nova Iguaçu

O secretário estadual de Cultura, Arnaldo Niskier, está recuperando as imagens, que ganharão tratamento anticupim e serão restauradas. Na Catedral de Nova Iguaçu, no Centro do município, construída no século XVIII, duas imagens ficam em exposição.

Pode-se apreciar a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe do Iguaçu talhada em cedro, datada de 1780, do lado esquerdo do altar. Do outro lado, está Santo Antônio de Jacutinga. Na catedral de Nova Iguaçu, que fica na Avenida Marechal Floriano, bem em frente à linha férrea, a diocese do município pretende construir, no subsolo da igreja, um museu. Ali, ficarão exibidas cerca de 20 imagens para que os moradores conheçam um pouco da história da religiosidade local.

O coordenador do arquivo histórico da Diocese de Nova Iguaçu, Antonio Lacerda Meneses, disse que para o museu ser construído será preciso ajuda financeira. Tudo indica que a Secretaria estadual de Cultura vai apoiar o projeto.

¿ Tivemos de retirar de locais sem segurança algumas imagens, que hoje ficam na Cúria de Nova Iguaçu ¿ disse Antonio Meneses.