Título: Parmalat ensaia a volta por cima após a crise
Autor:
Fonte: O Globo, 09/01/2005, Economia, p. 28

Depois de parar em 2004, fábrica em Santa Helena de Goiás reabre empurrada por exportações e reativação interna

SANTA HELENA DE GOIÁS (GO). A história do eletromecânico Romildo Campidelli teve final feliz, assim como a fábrica da Parmalat de Santa Helena de Goiás, uma das maiores do grupo no Brasil e a única que paralisou totalmente suas atividades. No auge da crise, em janeiro de 2004, Campidelli foi demitido após 16 anos na empresa. Pai de três filhos, deixou a família e foi trabalhar em outro município para receber metade do que ganhava na Parmalat. Com a reativação da fábrica, em junho passado, foi recontratado pelo mesmo salário de R$2.200 e quer esquecer as horas difíceis.

¿ Vinha para casa só nos fins de semana. Cortamos passeios e remanejamos despesas. Tirei um filho da academia de ginástica para conseguir manter uma filha na escola particular. Tanto eu quanto minha família ficamos aliviados quando a Parmalat voltou a funcionar ¿ diz Campidelli.

¿ Foi uma grande emoção ver a fumaça sair da chaminé novamente, por volta das 9h do dia 17 de junho. Vários trabalhadores correram para fora para ver, houve até briga para retirar da esteira a primeira caixa de leite ¿ conta Luciana Queiroz, de 32 anos, do Departamento Pessoal da unidade da Parmalat.

Argélia e Arábia Saudita: os maiores mercados lá fora

Quando estourou a crise no início do ano passado, a empresa demitiu cem funcionários e deu licença remunerada para outros 140. Luciana, o irmão Alex e o primo Marlos Bueno tiveram o emprego preservado quando a fábrica parou, entre 28 de janeiro até 17 de junho. O dinheiro para pagar a folha nesse período veio das exportações de estoques de leite em pó, lembra Helton Pereira, gerente da unidade.

Segundo ele, o aumento dos pedidos do exterior, principalmente dos países árabes, e o crescimento interno ajudaram a empresa a reabrir as portas. Para voltar a fabricar os produtos, a Parmalat negociou com os produtores de leite da região e pagou os atrasados em seis parcelas sem juros.

Entre agosto e dezembro, a unidade exportou 3.700 toneladas de leite em pó, sobretudo para Argélia e Arábia Saudita. Além dos 140 empregados mantidos, a empresa contratou 35 e hoje processa 500 mil litros de leite por dia, próximos aos 700 mil litros de antes da crise. O faturamento da unidade atingiu R$10,4 milhões no mês passado. Além de leite em pó, são produzidos em Santa Helena achocolatados, creme de leite e molhos (branco e madeira).

O clima entre os trabalhadores da fábrica de Santa Helena de Goiás ¿ que tem 35 mil habitantes e a agricultura como principal fonte de emprego ¿ é otimista. Luciana conta que a escola do marido, a Beethoven Music Center, já recuperou os dez alunos que perdera com a crise da Parmalat e tem hoje 50 estudantes.

Produtor, após vender 98 vacas, já comprou 35 animais

A pujança da fábrica que há um ano trouxe incerteza a uma cidade está reanimando o comércio, que por cinco meses amargou perda no faturamento de até 20%. Com o fechamento da fábrica, as transportadoras sumiram do principal posto de gasolina da cidade, que deixou de vender 20 mil litros de combustível por mês. Agora, começam a voltar as carretas e as perspectivas melhoraram, diz o gerente Jean Carlos Oliveira.

Reginaldo Severo, dono da Pharmavida, conta que da Parmalat vinham bons fregueses, devido à renda mais elevada. Eles cortaram as compras na drogaria e o movimento despencou imediatamente 20%.

¿ Foi um transtorno. A renda caiu muito na cidade: mesmo os que ainda recebiam tinham medo de consumir devido à incerteza. Estamos nos recuperando lentamente ¿ resumiu o empresário, ressaltando o sentimento geral de otimismo, mas com cautela, na cidade, confirmado nas lojas de móveis e supermercados.

O produtor de leite Vivaldo Oliveira, de 62 anos, também comemorou a reativação da fábrica após a crise. Sem ter a quem fornecer o produto, foi obrigado a vender suas 98 vacas abaixo do preço de mercado. Amargou prejuízo de R$30 mil, usou o limite do cheque especial e teve de fazer empréstimo no Banco do Brasil para quitar dívidas. Com a boa notícia, decidiu retomar a atividade e já comprou 35 vacas.

Segundo os produtores locais, a reativação da fábrica é importante também para vários outros municípios. A unidade compra leite de 700 produtores, além de várias cooperativas em Goiás, Triângulo Mineiro e São Paulo.