Título: ROMÊNIA, CELEIRO DE MÃO-DE-OBRA PARA EUROPA
Autor:
Fonte: O Globo, 09/01/2005, O Mundo, p. 32

Dez por cento das famílias romenas têm ao menos um membro no exterior. Imigrantes no mundo já são 175 milhões

PARIS. Eles deixam uma vida para trás, desfazem-se da casa, reúnem economias, imaginando que vão viver o sonho dourado num país rico e, com sorte, enriquecer. O número de trabalhadores de países mais pobres que se aventuram no exterior, em alguns casos, é tão grande que pesa nas contas do tesouro nacional dos países de origem. É o caso da Romênia. Dez por cento das famílias romenas têm pelo menos um parente trabalhando ¿ legal ou ilegalmente ¿ no exterior, revelou uma pesquisa do Centro de Sociologia Regional e Urbana, em Bucareste.

Bilhões de dólares repatriados por imigrantes

Segundo cálculos do Banco Central romeno, em 2003 imigrantes repatriaram cerca de US$2,6 bilhões ¿ mais do que todo o investimento feito no ano por empresas estrangeiras no país. E a previsão para este ano é a mesma.

¿ Não são os mais pobres que estão migrando. É a classe média. Digo classe média para os padrões romenos; técnicos, alguns funcionários públicos, padres. Cerca de 75% vai para a Itália e para Espanha, não só por causa da proximidade da língua, mas porque eles têm políticas menos restritivas de imigração ¿ diz o diretor do centro, Sebastian Lazaroiu.

A leva já foi maior: logo depois que a UE aboliu em janeiro de 2002 o visto para os futuros candidatos a membros do bloco ¿ caso da Romênia, mas também da Bulgária ¿ os trabalhadores romenos saíram em massa, invadindo vários países da Europa.

Na ocasião, uma pesquisa do centro estimou que 15% das famílias do país tinham ao menos uma pessoa no exterior. O caso romeno é apenas uma ilustração. Segundo a ONU, há 175 milhões de pessoas vivendo permanentemente ou temporariamente no exterior. O que faz com que uma em cada 35 pessoas no mundo seja migrante. Itália, Espanha e Portugal, que, tradicionalmente exportavam trabalhadores, agora estão confrontados com levas de imigrantes. Em duas décadas a população estrangeira cresceu 161% na Itália, 131% em Portugal e 124% na Espanha.

Mas a realidade dos imigrantes está longe de ser um paraíso. Trabalhadores caem nas mãos de redes criminosas, explorados quase como escravos em vários países da Europa, alerta a Organização Internacional de Migração (OIM). Paul Holmes, consultor da organização, diz que europeus fecharam os olhos durante anos para este tipo de exploração.

¿ A Europa só agora está acordando para reconhecer o tráfico de trabalhadores. Já é um problema estabelecido. A Europa Ocidental cometeu o erro no passado de só se concentrar no tráfico para exploração sexual, imaginando que esse era o problema mais significativo ¿ disse Holmes.

No início do ano, 19 trabalhadores chineses ilegais levados para a Inglaterra e controlados por gangues de traficantes morreram afogados quando coletavam, à noite, frutos do mar na Baía de Morecambe, no norte da Inglaterra. Alguns sobreviventes contaram que trabalhavam em condições precárias e eram explorados. Em 2000, também na Inglaterra, outra tragédia: 58 imigrantes chineses morreram dentro de um caminhão, tentando entrar na Inglaterra, com a ajuda de traficantes.

Robert Munroe, pesquisador do China Labour Bulletin, em Hong Kong, contou à BBC que trabalhadores chineses pagam até US$30 mil a gangues conhecidas como ¿snakeheads¿ (cabeças de cobra), para serem transportados ilegalmente para a Europa. Em muitos casos chegam à Europa endividados e viram escravos para pagar a dívida.

Trabalhadores são isolados e se afundam em dívidas

Holmes conta que os métodos para exploração de trabalhadores é o mesmo do tráfico sexual: isolamento, remoção dos documentos logo na chegada, escravidão por dívida. Por que os governos europeus não atacam o problema ?

¿ Falta compromisso para combater e alocar recursos. Com exceção do tráfico de trabalhadores domésticos, todas as outras formas de tráfico de trabalhadores são visíveis e detectáveis. Se procurar, encontra ¿ disse Holmes.

Sebastian Lazaroiu, de Bucareste, reconhece que romenos não escapam da exploração. As mulheres romenas, segundo ele, são as mais vulneráveis. Na Romênia, redes de tráfico se proliferam a ponto de o governo ter criado uma força-tarefa para combatê-los.

Segundo o Departamento de Estado americano, durante os seis primeiros meses de 2003, a polícia romena identificou 658 casos de tráfico humano (que inclui crianças, mulheres, e trabalhadores) e desmantelou 184 redes de traficantes.

Eugen Terteleac, presidente da Associação dos Romenos na Itália, diz que há empresas que oferecem contratos de trabalho para romenos: eles pagam e descobrem depois, ao chegar ao país, que tudo era falso. Terteleac conta que os romenos formam hoje a maior população de imigrantes da Itália. Nas contas da associação, chegam a 1,5 milhão e já ultrapassam os albaneses, se contados os ilegais. Elizabeta Toma, uma voluntária da associação, conta que alguns estão bem e podem repatriar dinheiro para casa, mas há vários ¿vivendo nas ruas, em condições indecentes¿.