Título: Entressafra no bolso
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 11/01/2005, Economia, p. 19

Aagricultura se prepara para passar por uma situação inusitada este ano. Com o real valorizado e os estoques mundiais nos níveis mais altos dos últimos dez anos, espera-se uma queda na renda dos produtores em torno de 20% em 2005. A estimativa é que com as safras recordes não apenas do Brasil, mas dos Estados Unidos, da Europa e da China, a oferta mundial fique em cerca de dois bilhões de toneladas no mercado externo, com destaque para soja, milho, algodão, arroz e trigo.

¿ Nos últimos três anos, o setor via um céu de brigadeiro. Agora começam a surgir nuvens negras lá em cima ¿ afirma o economista Donizete Beraldo, da Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil (CNA).

Por outro lado, a agricultura tende a dar um grande impulso à economia em 2005. Espera-se uma supersafra acima de 130 milhões de toneladas no ano. Com o aumento da oferta e a redução dos preços, os itens agrícolas têm tudo para ajudar a segurar a inflação.

Alguns especialistas se arriscam até a dizer que não haverá prejuízo significativo nas exportações porque, com o aumento da safra no país, crescerá o volume exportado, compensando a perda de receita com a queda dos preços das commodities agrícolas. Mas alertam que o câmbio precisa ajudar. Além disso, os produtores do Sul estão preocupados com a concorrência do trigo e do arroz importados do Mercosul.

Consumo interno deve aumentar

Os agricultores também se queixam do aumento dos custos com a compra de insumos, defensivos agrícolas e vacinas importados, que subiram estimadamente 25% em meados de 2004 e, agora, tiveram seus preços reduzidos. O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, defende que a área econômica libere mais recursos para garantir a comercialização e a armazenagem da safra agrícola, para compensar os prejuízos.

Para o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Ivan Wedeckin, a valorização do real em relação ao dólar, de R$ 3,10 para cerca de R$ 2,70 (uma queda de 14,8%) significa a redução imediata na renda obtida com produtos exportados pelo Brasil, cujos preços ficam menos competitivos.

¿ É uma injeção negativa na veia da renda agrícola ¿ ilustra ele.

O lado positivo, reconhece o secretário, é que haverá um aumento do consumo interno com a recuperação da economia, o que poderia compensar, em parte, a perda de receita do produtor rural. A compensação também deverá ocorrer no comércio exterior. Segundo Wedekin, o Brasil continuará sendo um grande exportador agrícola:

¿ As exportações devem continuar aumentando em volume e a agricultura será fundamental para segurar a inflação.

A agricultura, afirma o secretário, será fundamental para manter a inflação sob controle não apenas por causa da safra recorde, mas também em razão da queda dos preços das commodities agrícolas, que em 2004 chegou, em média, a 40%, no caso da soja. Mas outros 60% da produção agrícola ¿ incluindo café, carnes, leite, açúcar e álcool ¿ vão muito bem, pois não há redução de preços até agora. Ao contrário: o valor do café está subindo no exterior.

¿ Para 2005, nossa expectativa de crescimento é igual à de 2004, em torno de 10%. Começamos vendendo carne bovina a 102 países e já estamos com 142 ¿ afirma o diretor-executivo da Associação das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Afonso Camardelli.

Uma questão preocupante, diz uma fonte do governo, é que os produtores podem se sentir desestimulados e reduzir a área plantada, o que poderia gerar repercussões negativas em 2006 ¿ ano de eleição, em que, obrigatoriamente, a inflação teria de ser debelada