Título: Desembecados
Autor: Ediane Merola
Fonte: O Globo, 11/01/2005, Megazine, p. 10

A beca que Thiago Miranda costuma usar é só uma fantasia. O estudante, de 21 anos, terminou o ensino médio no ano passado, mas acha difícil realizar o sonho de chegar à universidade. Thiago só veste mesmo a roupa de formatura para participar das manifestações do Movimento dos Sem Universidade, o MSU. Apesar do lema ¿ pelo fim dos latifúndios na educação ¿ e da semelhança no nome, o MSU não é um braço do MST e tampouco costuma invadir campus para marcar sua posição.

Com 50 mil militantes cadastrados, o movimento, criado há quatro anos em São Paulo, atua pacificamente em dez estados em defesa do direito dos mais pobres a universidades públicas e gratuitas. O MSU nasceu por iniciativa de integrantes de pré-vestibulares populares, da Pastoral da Juventude e do movimento hip-hop, entre outros grupos sociais. Para alcançar seu objetivo, o movimento luta pela aprovação da lei que prevê a reserva de 50% das vagas das universidades federais para alunos da rede pública.

No MSU não há presidente, apenas coordenadores. Sérgio José Custódio é da coordenação nacional e, segundo ele, o movimento não é ligado a partido político:

¿ Os participantes também não pagam taxas, todos os coordenadores têm renda própria e, por isso, ninguém recebe salário.

Pode parecer contraditório, mas a maioria dos líderes do MSU tem diploma universitário. Sérgio, por exemplo, é economista formado pela Unicamp. Mas ele não acha isso uma incoerência.

¿ Sou filho de lavrador e de uma costureira. Comecei a trabalhar na roça aos 6 anos. Entrei na faculdade dois anos depois de terminar o ensino básico. Estudava até no banheiro da fábrica em que trabalhava. Na faculdade, vi que não havia quase ninguém como eu. Foi aí que entrei para movimentos sociais, para mudar essa situação ¿ diz Sérgio.

Fora da coordenação, a situação é diferente. Thiago, por exemplo, é o primeiro de sua família a tentar uma vaga na universidade.

¿ Quero me formar, fazer mestrado e defender tese sobre o movimento hip-hop, mas sob o ponto de vista da periferia. Hoje existem trabalhos sobre o assunto, mas só na visão pequeno-burguesa ¿ reclama Thiago, que agora se prepara para o vestibular. ¿ Só não sei se faço psicologia ou ciências sociais.

Mirtes Medeiros é uma das coordenadoras do MSU no Rio. Ela organiza o pré-vestibular Tô Dentro, em Santa Teresa, e é formada em psicologia. Mas se considera uma sem-universidade.

¿ Estudei na PUC de Belo Horizonte. Sem-universidade é quem não tem vaga em instituição pública ¿ diz Mirtes, acrescentando que uma das tarefas do MSU é motivar estudantes pobres, mostrar que devem fazer o vestibular das faculdades mais concorridas.

E essa tarefa não é fácil. A maioria dos alunos dos cursos populares estudou a vida toda em escola pública ou em colégios particulares que não oferecem ensino de qualidade. Wanmiro da Silva Júnior, por exemplo, fez o ensino médio em escola particular, mas não teve base para passar para a segunda fase do vestibular 2005 da UFF. Ele quer fazer cinema:

¿ Não tenho como fazer faculdade particular. Nem que eu tivesse uma bolsa de estudo parcial. Mas não desisto.

Segundo o MSU, mais de um milhão de estudantes deseja uma vaga nas universidades públicas. Sérgio diz que o ProUni é uma vitória para o movimento, que ano passado fez uma grande manifestação em São Paulo pedindo o aumento da oferta de bolsas de estudo nas universidades privadas. O MSU também marcou presença em Brasília, pedindo a aprovação do programa no Congresso.

Mas como Wanmiro, muitos só podem estudar em instituição gratuita. No caso do ProUni, 72 mil bolsas oferecidas este ano são integrais e 40 mil parciais. Sérgio acha que ainda é preciso mais, pois o padrão de vida desses adolescentes é incompatível com o preço das instituições privadas. Por isso o MSU insiste na ampliação do ensino público superior. Quando é preciso, eles fazem manifestações, normalmente irônicas.

¿ Em 2004 levamos 111 alunos vestidos de beca para protestar em frente ao Carandiru. Uma de nossas bandeiras é defender que presídios desativados sejam transformados em universidades ¿ diz Sérgio.