Título: Uma grande falácia
Autor: JOÃO SABÓIA
Fonte: O Globo, 12/01/2005, Opinião, p. 7

O governo da Fome Zero tem revelado um apetite fiscal insaciável. A bem da verdade, é preciso reconhecer que a voracidade fiscal não é uma característica apenas do governo Lula. O presidente FHC já havia elevado bastante a carga fiscal do país entre 1995 e 2002, subindo de 29,2% para 35,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Quando todos esperavam que o novo governo iria encerrar o ciclo anterior de aumento de impostos, verifica-se exatamente o oposto.

O primeiro sinal de que o velho comportamento seria mantido talvez tenha sido o episódio de aumento da Cofins. Naquela época, o governo enfrentava um duro processo de negociação com os governadores para avançar na reforma fiscal. Ao mesmo tempo em que as negociações emperravam foi baixada uma medida provisória mais que dobrando a alíquota da Cofins cobrada das empresas. Embora o governo argumentasse que se tratava apenas de uma mudança na sua fórmula de cálculo, verificou-se, posteriormente, que a arrecadação da Cofins aumentou muito, representando um efetivo aumento da carga tributária.

Recentemente, no reajuste da tabela do Imposto de Renda, repetiu-se o mesmo tipo de comportamento. Depois de muita discussão, o governo aceitou reajustar a tabela em 10%. Em seguida, baixou nova medida provisória aumentando a carga tributaria das empresas prestadoras de serviço sob o argumento de ¿compensar a perda ocorrida com o reajuste da tabela do Imposto de Renda¿.

Este tipo de justificativa é uma grande falácia. O reajuste da tabela tem de ser feito para compensar o aumento da carga fiscal resultante da inflação acumulada nos últimos anos. Em outras palavras, se um indivíduo passa a receber 20% a mais porque os preços aumentaram 20%, não há qualquer ganho real em seus rendimentos. Caso a tabela do IR não seja modificada, ele estará pagando mais imposto. Portanto, a correção da tabela é necessária para ¿devolver o que está sendo cobrado a mais do contribuinte do Imposto de Renda¿. Segundo o Unafisco, a prática de reajustar a tabela do IR abaixo da inflação representou um confisco de renda dos contribuintes de R$ 36,9 bilhões desde 1997, sendo R$ 15,4 bilhões nos últimos dois anos.

Se o governo Lula quisesse ser minimamente justo, deveria pelo menos corrigir a tabela do IR segundo a inflação acumulada desde o início de seu governo, ou seja, desde janeiro de 2003. Segundo o IPCA, a inflação de 2003/04 atingiu cerca de 17%. Portanto, este seria o percentual mínimo que deveria ser usado para reajustar a tabela do IR. Em vez disso, o atual governo continua com a mesma prática do período FHC, quando a tabela esteve congelada durante vários anos, sendo, finalmente, corrigida abaixo da inflação.

A pergunta que deve ser feita é: Por que o governo Lula tem tido este tipo de comportamento? A resposta é relativamente simples. Tendo em vista a atual política econômica, o governo precisa arrecadar muito e gastar o mínimo possível, de modo a gerar o superávit fiscal correspondente a 4,5% do PIB do país prometido ao FMI. Com esses recursos, o governo consegue pagar uma parcela dos juros da dívida pública, não permitindo que esta dispare. Duro é saber que, apesar desse enorme esforço fiscal, o governo só consegue pagar uma parte dos juros da dívida pública, tendo de ir ao mercado para refinanciar, a um custo altíssimo, a parcela dos juros não paga, que se transforma em nova dívida.

Tudo poderia ser bem diferente se a taxa básica de juros da economia (Selic) fosse menor. Em vez disso, desde setembro do ano passado, o Banco Central, sob o pretexto de combater tendências inflacionárias na economia, em vez de reduzir, está aumentando a taxa Selic, elevando assim a necessidade de arrecadar mais e gastar menos. Em outras palavras, todo o esforço fiscal é jogado pelo ralo quando o BC aumenta ainda mais a taxa Selic.

Para a maioria dos leitores deve parecer bastante incoerente este tipo de comportamento do governo Lula, que no passado sempre defendeu os trabalhadores e o setor produtivo e combateu os privilégios do setor financeiro. Infelizmente, seu governo tem tomado uma série de medidas em direção oposta ao que pregava no passado. Mas há alternativas à atual política econômica.

Para aqueles que insistem que não há outra saída e que esta é a única política econômica possível, sugerimos a leitura do livro ¿Novo-Desenvolvimentismo ¿ Um projeto nacional de crescimento com eqüidade social¿, que acaba de ser publicado pela editora Manole, com prefácio do vice-presidente José Alencar.