Título: 'Comunidades foram apagadas'
Autor:
Fonte: O Globo, 08/01/2005, O MUNDO, p. 30
Funcionário do Unicef, Anton Susanto chegou a Banda Aceh, na Indonésia, três dias após tsunamis varrerem a região. "Muitas crianças não têm mais ninguém", disse ao GLOBO por telefone, de Jacarta.
Como está a situação uma semana após as tsunamis?
ANTON SUSANTO: Deixei Banda Aceh na quarta-feira. Fomos uma das primeiras equipes da ONU a entrar na cidade, três dias depois da tragédia. É muito grave. Nenhum de nós, mesmo aqueles que trabalham no campo humanitário há 30 anos, já vira algo parecido. Há muitos desabrigados e acreditamos que de 30% a 40% deles são crianças. As que encontramos estavam traumatizadas, muitas se perderam da família. Uma grande parte perdeu um dos pais ou ambos. Estamos divulgando fotos para que parentes possam identificá-las. O próximo passo serão programas para ajudá-las a lidar com a experiência. Começamos uma campanha de vacinação, e outra preocupação é educação. Muitas não têm mais escolas, muitos dos professores foram mortos. Estamos procurando fazer salas de aula emergenciais.
É uma tentativa de retomar a vida normal?
SUSANTO: Passei sete dias lá e o único jeito de entender a magnitude do desastre é ver de perto. Achamos comunidades de 10 mil pessoas onde só 200 sobreviveram. Em Banda Aceh, as ondas vieram de dois pontos diferentes e se encontraram no meio, entraram oito quilômetros terra adentro. A cidade de Banda Aceh não é na costa, é no interior. Vida normal é uma pergunta difícil. Acho que levará algum tempo para reconstruir o que foi destruído.
O Unicef mencionou a geração tsunami. Como seria um trabalho a longo prazo para reduzir o trauma?
SUSANTO: O Unicef sabe que as crianças têm uma grande capacidade de superação. Mas não conseguirão sozinhas. Temos que dar um bom ambiente para que superem o trauma e retornem à vida normal. Encontrar a família ajuda muito. Mas não será fácil porque muitas não têm mais ninguém.
Há histórias de seqüestros de crianças..
SUSANTO: As crianças são mais vulneráveis a qualquer forma de exploração. Na Indonésia, cem mil pessoas por ano são vítimas do tráfico de gente. E sabemos de 30% a 40% são crianças. Aqueles ligados a esse ato ilegal vão se aproveitar da situação atual.
Quais são as áreas mais afetadas?
SUSANTO: Banda Aceh é a capital da província e tem uma grande população. Muitos morreram. Mas a costa da província de Aceh sofreu grandes e severos danos. Sabemos de comunidades que foram totalmente apagadas. Há comunidades em que não encontramos nenhum sobrevivente. A costa ocidental foi duramente atingida. Não é como na guerra, em que as pessoas param de atirar e podem recomeçar. Tudo se foi em muitas comunidades. Não há nada, nem estrada, nem luz elétrica, nem paredes. Só sujeira e destroços.