Título: Famílias destruídas
Autor: Gio Mendes, Ana Paiva e Luis Kawaguti
Fonte: O Globo, 13/01/2005, O país, p. 3
Oito crianças e um adulto morreram soterrados, ontem de madrugada, em dois deslizamentos de terra provocados pela chuva em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. O menino Juliano César de Oliveira, de 7 anos, morreu quando um barraco desabou na Vila Esperança. As outras vítimas ¿ sendo três crianças e sua mãe e quatro crianças de uma outra família ¿ foram cobertas pela terra que atingiu dois barracos da favela do Jardim Silvina, onde os bombeiros levaram mais de sete horas para encontrar todos os corpos.
O primeiro deslizamento ocorreu por volta das 2h30m. O barraco da família de Juliano desabou. O menino foi levado ao pronto-socorro, mas não resistiu. No Jardim Silvina, o deslizamento foi por volta das 3h, quando a chuva era forte.
Em um barraco estavam Maurícia de Souza Oliveira, de 27 anos, e os filhos Josiane, de 7, Jair, de 8, Raí, de 9, e Rosiane, de 12. Maurícia pôde ser socorrida pelos vizinhos porque não chegou a ser coberta pela terra. Com ferimentos pela corpo, ela foi levada ao pronto-socorro. As crianças morreram.
No outro barraco estavam Edinaldo Braga, a mulher Cláudia Braga, ambos de 25 anos, e os filhos Wildemberg, de 2, Daiane, de 5, e Wigna, de 11 meses. Edinaldo foi salvo em poucos minutos. Cláudia morreu com as crianças.
¿ Conseguimos localizá-lo pelos gritos. Ele gemia e pedia para ser retirado de baixo da terra ¿ afirmou o caminhoneiro Vagner Trindade, que ajudou nas buscas.
Bombeiros, guardas civis e moradores passaram a madrugada escavando a terra em busca dos corpos. Uma árvore que deslizou junto com a terra levou horas para ser cortada e retirada. De manhã, dois cães foram levados pelos bombeiros para auxiliar nas buscas. Por volta das 8h30m, mais dois corpos foram retirados. Quando foi resgatado o último corpo, os bombeiros fizeram um minuto de silêncio.
Prefeitura não dará abrigo para famílias
A Prefeitura de São Bernardo do Campo não vai oferecer alojamento para as famílias atingidas e não sabia ao certo até ontem à tarde o número total de desabrigados nem quantas famílias moram na favela do Jardim Silvina.
Segundo informações da Secretaria Municipal de Habitação, São Bernardo tem 17 áreas de risco, onde moram atualmente cerca de seis mil pessoas. Ontem, a prefeitura interditou 15 casas e notificou outras 80 famílias a deixarem suas residências na favela do Jardim Silvina.
Segundo o secretário municipal de Infra-Estrutura, Gilberto Frigo, não oferecer alojamentos é uma política da prefeitura de São Bernardo.
¿ A gente acha que, com isso, fixa pessoas em locais sem estrutura ¿ disse Frigo que, no entanto, afirmou que a prefeitura não descarta abrir albergues, se necessário.
Desde outubro, técnicos da prefeitura estão percorrendo áreas de risco para alertar famílias sobre a ocorrência de chuvas entre janeiro e fevereiro. O secretário disse também que, no caso da favela do Jardim Silvina, uma equipe da Defesa Civil municipal esteve no local na segunda-feira, antes do desabamento, e orientou moradores a deixarem a área.
¿ O acidente não aconteceu por falta de comunicação do risco ¿ disse o secretário.
As famílias negam que tenham sido orientadas.
A Defesa Civil Estadual informou que todas as prefeituras da Região Metropolitana de São Paulo foram avisadas sobre a chuva forte e os riscos. O secretário de São Bernardo, porém, disse que seu município não recebeu o alerta.
Frigo disse que a prefeitura vai assumir a despesa de funeral e enterro das vítimas. Uma equipe da Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania também foi colocada à disposição das famílias para ajudar no que for preciso, como fornecimento de alimentos e roupas.