Título: Para mudar o futebol
Autor: MÁRCIO BRAGA
Fonte: O Globo, 13/01/2005, Opinião, p. 7

Acandidatura do presidente do futebol brasileiro, Ricardo Teixeira, à presidência da Fifa parece irreversível e para contar com o apoio da nação desportiva de nosso país precisa ser um fator de mudanças institucionais que comecem pelo Brasil.

Tirar definitivamente o futebol nacional das páginas policiais e mudar a base política que elege os presidentes da CBF e da Fifa é o que deve pavimentar a candidatura Ricardo Teixeira.

A Federação do Rio de Janeiro tem 21 vice-presidentes, 40 diretores e 82 funcionários. A folha de pagamento de seus funcionários é de um milhão e cem mil reais. Ela paga ainda 550 mil reais de serviços terceirizados. (Fonte: Orçamento da Ferj- 2005.) Estranhamente, 67% dos recursos por lá transitam em espécie. (Fonte: Ministério Público Estadual.) Ou seja, são manipulados em dinheiro vivo. O que com certeza é um elemento facilitador de desmandos.

Recorde-se que há pouco tempo um dirigente foi assaltado após o jogo com o malote de dinheiro da renda de um clássico no Maracanã, levando o dinheiro para casa.

No fim das contas, a farra toda é bancada pelos clubes. Mas é essa turma, que no Rio de Janeiro está sendo processada por formação de quadrilha, apropriação indébita, estelionato e falsidade ideológica, que elege o presidente da CBF e, conseqüentemente, forma a base política do presidente da Fifa, além de administrar os jogos de futebol em todo o Brasil, inclusive os das competições promovidas pela Confederação.

A possibilidade de contribuir para a transformação dessa estrutura corporativa cuja verticalização obedece a interesses clientelistas anacrônicos e impede o desenvolvimento do esporte como atividade econômica e social é o que faz da eleição da Fifa um evento politicamente importante para o futebol brasileiro.

A mudança da base política que sustenta o presidente da Fifa e da CBF inicia-se com a recuperação das ligas. Essas ligas precisam voltar a organizar as competições regionais em consonância com a representatividade conquistada nas quatro linhas pelos clubes e o mercado desportivo. As ligas de Centro-Oeste, Sul-Minas, Rio-São-Paulo e do Nordeste foram exemplos extremamente bem-sucedidos que não podem ser abandonados.

É verdade que o futebol do Rio de Janeiro é emblemático e simboliza o que de mais nefasto nos vitima. Mas o Grêmio está na segunda divisão, o Atlético Mineiro quase foi rebaixado e o Nordeste está praticamente fora da elite nacional. Um absurdo.

Eles são vítimas de uma estrutura eleitoreira que os obriga a jogar campeonatos deficitários, organizados por presidentes de federações estaduais seguidamente processados criminalmente que não podem mais ser a base do colégio eleitoral da CBF e da Fifa.

Que a candidatura Ricardo Teixeira seja porta-voz de mudanças. Que seja instrumento da organização de um calendário mundial. Que alinhe as competições de clubes e de seleções da Europa e da América do Sul. Que contribua para que as competições de seleções não prejudiquem os campeonatos nacionais. Que critérios desportivos prevaleçam sobre os meramente eleitoreiros no planejamento dos calendários, das competições e na administração de contratos e de eventos.

É inaceitável que o interesse corporativo das federações dos países desportivamente menos representativos prevaleçam em nível sul-americano, impedindo que a Copa América valha também como eliminatória para a Copa do Mundo, com grande prejuízo para as seleções e os clubes do Brasil, em nome de interesses políticos subalternos.

Mas também não é mais possível permitir que entidades dirigidas mediante práticas administrativas duvidosas, cujos indícios criminais têm sido seguidamente questionados pela Justiça, dêem as cartas em nosso país.

A eleição para a presidência da Fifa torna transparentes as relações entre o futebol brasileiro, a CBF e a entidade internacional. É hora de modificá-las. Que os novos tempos se inaugurem com a criação da Liga Carioca de Futebol.